Crónica de viagem: Ganvié, a Veneza de África, onde vive o “povo da água”

Cheguei a Ganvié, uma das principais razões que me levou a visitar o Benim. Esta é uma aldeia muito especial, construída sobre estacas no lago Nokoué, a cerca de uma hora de bote a norte da cidade de Cotonou, onde todas as actividades ocorrem inteiramente na água. Trata-se de algo de único no continente africano. Chamam-lhe, mesmo, a Veneza africana.
Visitei a aldeia do povo Tofinu, o chamado “povo da água”, uma vida de dificuldades e sofrimento.
Estes habitantes estabeleceram-se nesta região no século XVI e XVII e construíram a aldeia no lago numa tentativa de escapar aos esclavagistas que procediam da tribo Fon, os quais, por razões religiosas e até profanas, não entravam na água.

Em Ganvié vivem 20.000 e 30.000 mil habitantes. Dedicam-se principalmente à pesca. Vendem no mercado o produto de Dantopka o produto da sua faina. Dantopka fica nas imediações de Cotonou, e é um dos maiores mercado de África, onde se negoceiam bens de primeira necessidade. Os Tofinu são mergulhadores experientes, e criaram um sistema de viveiros naturais – a chamada piscicultura, mas como era praticada pelos povos ancestrais. Ganvié, uma localidade candidata a Património Mundial da Humanidade é um filão para o turismo deste país.

O dia a dia da aldeia ocorre inteiramente sobre as águas do lago Nokoué  que se estende até a Nigéria através de imensos braços de rio navegáveis. Abraça o Atlântico em Cotonou, na chamada Lagoa de Cotonou.
O “povo da água”, com a força dos seus braços, criou uma faixa de terra firme ,para construir uma escola e um cemitério com mais dignidade. Alguns anos atrás, os corpos dos falecidos eram pura e simplesmente despejados nos pântanos nas imediações da aldeia. Segundo as suas crenças a alma, ,essa, pertence sempre à água, mas os corpos agora têm um cemitério onde descansar em paz.

Ficamos com a sensação que as pessoas de Ganvié vivem tranquilas. é óbvio que existe pobreza como em qualquer outro sítio, mas são pessoas felizes. Os homens são pescadores, as mulheres tratam da casa, tratam dos filhos, dos animais, vendem fruta, fazem comida… Tudo isto de piroga. Há um mercado flutuante em Ganvié e cada família tem duas ou três pirogas, a remos ou a motor.
Vivem em casas palafitas suportadas por estacas habilmente alicerçadas no lodo no fundo do lago. Cabeleireiros, costureiros, hospital, maternidade, mercearias, ,bares, igrejas, mesquitas, postos de abastecimento de água potável e combustível, albergues e restaurantes e até lojas de operadores de telemóveis, entre outras casas, são suportadas por estacas encravadas no fundo do lago.

Há barcos para alugar com guia. Fiz questão que o meu hotel fosse o único existente no lago, porque todos os outros distam 900 a 1200 metros de distancia. É final de tarde e o sol está a cair no horizonte. Desfruto de uma beleza para os meus olhos, deitado numa rede fixada a dois barrotes de madeira junto ao cais de acesso à entrada do hotel. O meu desejo concretizou-se…

Aqui passei por uma experiência curiosa… Até pensei que o tempo voltava para trás. Ao programar a minha incursão a Ganvié e ao local onde o “povo da água” – cerca de 30 mil habitantes – nasce, cresce e morre a remar optei, como já disse por este “resort” de nome Germain Ganvié. O único hotel situado verdadeiramente no lago.

Desembarco e dirijo-me à recepção. E, no espaço de uma hora, acabo por mudar três vezes de “chambre”. Finalmente satisfeito, no interior vejo a minha cama envolvida por uma rede mosquiteira parecendo um autêntico véu de noiva. A casa de banho parece do tempo dos fenícios e o duche não funciona porque a água de momento não existe na canalização.

Enfrento uma humidade terrível e um calor insuportável. A única maneira de nos banharmos, porém, é com dois baldes de água e um caneco de plástico que serve para vai-vem da água para o corpo. Era assim a Madeira dos anos 40, recordo-me. Contava-se pelos dedos o número de famílias que tinham uma casa de banho completa. O uso de uma banheira de “folha ” era comum, com o transporte de panelas de água quente. Hoje, vivi esse episódio, não com água quente (desnecessário) mas fria que refresca muito bem. Parecia um autêntico regresso no tempo.
Outra curiosidade: o hotel só tem um hóspede, e esse sou eu. Todas as minhas refeições terão de ser tomadas aqui, já que não há restaurantes, e se existissem, só seriam acessíveis através de um barco táxi. Aqui não tenho ar condicionado, somente uma ventoinha que funciona a noite, ,porque durante o dia não há energia. O mesmo se passa com a Internet. Ontem à noite houve chuva tipo dilúvio, com trovões e relâmpagos à mistura. O tecto do meu quarto parecia querer desabar com esta autêntica tromba de água.

Mas nem tudo é tragédia. O hotel prima pelas refeições, pela apresentação dos pratos e confecção. Alguma coisa os franceses aqui deixaram como potência colonizadora. O restante, vias terrestres, transportes, está tudo por fazer. Portugal nas suas antigas colónias de Angola ou Moçambique deixou o suficiente para dar vinte a zero aos franceses… Comparado com o Benim.

Sinto-me prisioneiro no meio deste lago. Talvez seja uma terapia para acalmar o meu sistema sempre eléctrico. Fico horas deitado na rede contemplando o vai vem das pirogas que cruzam há minha frente.
Aguardo, pois, o cair da noite para que este silêncio seja interrompido pelo cantar das rãs debaixo do chão do meu quarto, embalando o sono de um descanso merecido para a etapa seguinte e final: Ouidah, que os portugueses já chamaram de Ajudá, e que era a porta de saída dos escravos.

De repente sou interrompido: é o gerente do hotel, munido de um milagroso spray industrial que, garante, mata mosquitos que se farta. Tudo para uma desinfecção à minha “chambre “. Lá terá de ser, embora eu seja, por princípio, contra toda esta utilização química. A verdade é que neste lago os malditos insectos abundam.