O adeus ao Armas

Pedro Calado com o comandante do Armas.

Fotos: Rui Marote

Não, não é o título de um romance famoso de Ernest Hemingway, embora seja parecido. Trata-se, isso sim, da partida, pelo menos por agora, do navio ferry “Vólcan de Tijarafe”, depois de uma operação que durou três meses no Verão. E bem animada foi essa partida, contando mesmo com uma manifestação de apologistas da operação ferry durante o ano inteiro, que trouxeram de tudo um pouco, desde cartazes de protesto a buzinas, desde “tocar pratos” a uma estranha figura vestida de urso e ostentando um cartaz que reclamava “o PSD não cumpre”.

O vice-presidente do Governo Regional, Pedro Calado, esteve no local, e a sua presença não deixou de ser contestada, tendo mesmo merecido um solene apupo e o estridente tocar de buzinas quando o carro que o transportava abandonou o local. Aparentemente, os manifestantes culpam também o Governo Regional pelo facto de a operação de ferry não se processar durante os doze meses do ano, a julgar pelos escritos que vários deles ostentavam. Refira-se que entre eles se encontravam também militantes de partidos da Região, por exemplo do Bloco de Esquerda.

Em declarações prestadas aos jornalistas no local, Pedro Calado fez um balanço “muito positivo” da operação que se cifrou em doze viagens realizadas entre o Funchal e Portimão e vice-versa. Estabelecendo-se uma comparação entre Julho, Agosto e Setembro de 2018 comparativamente com o ano de 2011, “tivemos um crescimento muito significativo”, nomeadamente de mais 23% em Agosto e de mais 51% em Setembro”, disse. Isto em número de passageiros, distribuídos pelo número de semanas em que a operação se processou, “o que nos abre uma perspectiva positiva” em termos de possível manutenção da operação o ano inteiro.

O governante fez questão de sublinhar que “se houve alguém em todo este processo que esteve sempre receptivo a este tipo de iniciativa e que muito trabalhou e lutou para conseguíssemos ter a operação foi o Governo Regional”.

“Desde a primeira hora e apesar de todas as dificuldades, o Governo Regional assumiu sozinho as custas da operação, que deveria estar inserida dentro da continuidade territorial, tendo o apoio do Governo da República”, referiu.

O balanço agora feito “deixa-nos muito confiantes”, assumiu, lembrando que ainda há mais dois anos de contrato. “Queremos que esse contrato se prolongue e se efectue em 2019 e 2020, mas queremos dar um passo mais à frente. Queremos que a República olhe para estes números, que são muito positivos, e, de uma vez por todas, assegure o princípio da continuidade territorial, consagrado na Constituição”.

Segundo os dados, para uma capacidade um pouco acima dos 18 mil passageiros, houve dez mil e seiscentos. “O que importa aqui realçar é que, comparativamente à última operação do Armas, em 2011, tivemos um crescimento significativo”.

Calado considerou, no entanto, que esta é uma operação que não é sustentável se mantida apenas pelo Governo Regional. Tem de ser acompanhada pelo Governo da República.

“O que estranho”, disse o número dois do Governo Regional, “é que haja partidos que aqui na Madeira que inicialmente eram todos contra esta operação, e agora são a favor. Nós, como Governo Regional, como fizemos essa promessa à população, conseguimos materializá-la (…) A população está satisfeita, e agora vêm os partidos da oposição, que não concordavam com a operação, e como vêem que a mesma é positiva, já reclamam essa mesma operação para o ano inteiro”.

Pedro Calado opinou que “esses mesmos partidos, que têm assento junto do Governo da República, façam o seu trabalho e façam pressão para que esta operação se faça o ano inteiro”, também com o apoio do Estado.

Instado a comentar o protesto dos manifestantes, o governante disse que não o vê como um protesto, “porque eles querem o mesmo do que nós”.

“Só acho estranho”, comentou, “aparecerem só agora no final da operação. Deviam ter aparecido no início, no período em que era difícil montá-la, e ninguém acreditava que se concretizasse”.

Porém, acrescentou, “fico satisfeito por estarmos a partilhar todos do mesmo objectivo”.

Outra leitura, como já dissemos, terão tido os manifestantes, que se aproximaram do carro de Pedro Calado e fuzilaram-no com buzinadas, assobios, apupos e gritos de protesto. Aparentemente, culpam o Governo Regional pela não realização da operação ferry todo o ano.

“O Governo Regional sozinho não consegue ter uma operação destas porque é financeiramente incomportável (…)”, afirmou. Calado escusou-se a apresentar uma estimativa de quanto custaria manter uma operação destas todo o ano. Para os três meses de Verão, estamos a falar num custo de três milhões de euros. Para o ano inteiro, é difícil estar agora a dar um valor (…)”.

Pedro Calado apontou ainda baterias ao Governo da República, por estar a preparar uma operação para apoiar financeiramente os passes sociais dos cidadãos do continente, não querendo que as mesmas paguem mais de 40 euros, e estando destinado para o Orçamento de Estado para 2019 um custo a rondar os 95 milhões de euros com essa iniciativa, “muito me espanta a mim como é que há disponibilidade orçamental da República para tal e não há cinco ou seis milhões para apoiar aqui o princípio da continuidade territorial e dar seguimento a uma operação destas para o ano inteiro”.

Pedro Calado teve de suportar apupos e uma despedida de autêntico protesto.

O governante foi mesmo mais longe, defendendo a adaptação do subsídio de mobilidade ao transporte marítimo de passageiros.

“Gostaria que o Governo da República de uma vez por todas olhasse para a Madeira como deve olhar: somos portugueses de primeira e não de segunda”.

Por seu turno, Paulo Melich Farinha, ligado à organização da manifestação, disse aos jornalistas que há “madeirenses felizes por viajar por mar”, e inclusive emigrantes vindos de outros países distantes, como a Noruega, que percorreram milhares de quilómetros para vir para a Madeira de ferry.

“Os emigrantes querem o ferry, a autoestrada do mar; e os madeirenses que não podem viajar de avião, quer por motivo de saúde quer por fobia dos meios aéreos” foram citados como uma clientela capaz de tornar viável a ligação ferry o ano todo.

“É viável, já foi viável, o problema eram as taxas portuárias elevadas: em 2011, um milhão e duzentos mil euros”, acusou. “Felizmente já baixaram; isso já é bom para a continuidade desta ligação”.

Melich Farinha concordou que o Governo da República, “tal como subsidia o transporte aéreo, também pode subsidiar o transporte marítimo”.

Referindo-se à manifestação, recusou a classificação de protesto: “é uma despedida que eu organizei”, disse. “É uma despedida, um até já”.

A tripulação do Armas correspondeu às saudações da calorosa despedida.