A nossa incerteza de cada dia

  1. O desespero é o fim de qualquer esperança para encontrar um sentido que faça brilhar os dias e dê alguma cor à vida. Vaclav Havel, dramaturgo e presidente da República Checa, afirmou que «a esperança não é a convicção de que alguma coisa correrá bem, mas a certeza de que alguma coisa tem sentido, independentemente de como será o seu desfecho». Mas, há um imprescindível (grande) detalhe, cabe às gerações no seu tempo trabalhar para que assim seja.

 

  1. Serve o primeiro ponto acima descrito para nos fazer situar no propósito que nos move quando olhamos «o tempo e modo» que nos rodeia na circunstância em que fazemos a nossa história. Por isso, vamos fazer uma pequena viagem à nossa volta para fotografar o sentimento que nos assiste por estes dias.

 

  1. O vazio político e religioso entre nós é muito grande. Há desencanto e propaganda a mais para enfeitar o disfarce, criando a ilusão que anda tudo bem, que o presente é risonho e o futuro brilhante. Não é bem assim, a realidade desmente toda a cosmética inventada e aventada por muitos que andam por aí cheios de vontade de serem uns «messias» desencantados do baú da incompetência e do vazio cultural que transversalmente caracteriza a sociedade dos nossos dias. Esta geração perversa de hoje não sente responsabilidade nenhuma com a que vem a seguir. Teilhard Chardin, eminentíssimo teólogo, pensador e cientista, ostracizado pela Igreja Católica, dizia que «o futuro pertence àqueles que dão à geração seguinte uma razão para esperar». Que razões encontrarão os que vierem depois de nós, face à confusão do ensino, onde essa caldeirada se rege pelo desrespeito pelo diferente, professores saturados com os alunos e agastados com as várias tutelas, amuos tutelares perante o sucesso dos que não se vergam, notas com médias baixas, a rebeldia dos alunos e a confirmação dos pais no desrespeito pelos professores, a junção de escolas sem critérios só porque vai ser mais fácil controlar e várias outras situações que não auguram boas perspectivas para o futuro… Onde está alguém nesta terra com responsabilidades que nos revele preocupações com a geração que vem a seguir?

 

  1. Parece que basta-nos viver embriagados com milhões que saem da cartola, lançados por todo o lado, que se resume e conclui nuns míseros 100 euros na carteira dos pobres agricultores. Mas, a par disto, continuam as falhas graves em tantos domínios que nunca deviam falhar no essencial, a resposta ao bem estar da população em geral. Nomeio duas coisas mais, que mexem comigo seriamente, os lugares da saúde que não normalizam as lacunas e a confusão sobre a nossa mobilidade, quer por ar quer por mar. Esta última votação na Assembleia da República à alteração de alguns aspectos ao Subsídio de Mobilidade é bem reveladora da manhosice dos paridos políticos. A incerteza que nos atormenta vem precisamente daí desse ninho de manhosos que se aquecem uns com os outros, apenas piando insaciáveis o miolo indispensável da nossa incerteza quanto ao futuro.

 

  1. É assim. A propaganda continua. Se não for a inércia, a indiferença, as incongruências, para não dizer o farisaísmo, que se traduz nos governantes a tosquiar e a bailar, discursos exaltados do passa culpas e murros nas mesas, tipo agarrem-me que eu mato, com sermões recheados de fezadas inconsequentes perante as falhas dos outros, porque misericórdia fica bem para ser pronunciada sem vida concreta… Tudo dolorosamente tão enganador e ilusório, praticar-se esta forma de carnaval o ano inteiro, sem assegurar um registo que fique nem muito menos uma certeza de esperança para as gerações que vierem depois de nós. Nesta nossa incerteza de cada dia, há-de, mesmo assim, sobrar-nos alguns que dirão corajosamente, sei que não vou por aí…