A mobilidade e os horários “nine to five”

Albuquerque fez uma “entrada” à Jardim na polémica instalada, desnecessariamente instalada, sobre o modelo de mobilidade. Entrou a “pés juntos” para utilizar uma expressão futebolística. Mas é que às vezes é mesmo preciso, sobretudo em função daquilo que estava a ser incontrolável no que toca às reações observadas em todos os meios, sendo as redes sociais o meio, hoje, mais demolidor e com efeitos que muitos teimam em não ver, talvez, quem sabe, para preservar, não se sabe até quando, interesses instalados e estratégias tomadas.

E fê-lo com a plena consciência que é importante estancar os “tiros nos pés” por “metro quadrado” e resolver, se é que ainda vai a tempo, este eternizado problema de comunicação. Em outubro de 2017, depois das autárquicas, detetou que comunicar é coisa que o Governo não tinha como ponto forte, mas passado este tempo, teve que intervir agora para evitar que passe a ter, em vez de um, dois problemas de comunicação em tempos diferentes.

É verdade que é impossível governar sem uns percalços, aqui ou ali, fruto de conjunturas que nem sempre ajudam a posições permanentemente de coerência, com palavras e atitudes sempre acertivas. Essa é uma “armadilha” em que todos os governos acabam, num ou noutro determinado momento, por cair. O importante é que seja de tempos em tempos, quando a “coisa” começa com desacerto semana sim, semana sim, a situação acaba por exigir outro tipo de procedimento e de cautela, sobretudo quando estamos a ano e meio, mais coisa menos coisa, das eleições regionais de 2019. E Albuquerque sabe bem disso e já acelerou para esse objetivo. Estas “pedras” pelo caminho é que não ajudam nada.

Esta situação relacionada com o modelo de mobilidade podia ou não podia ter sido evitada? Claro que podia. Foi ou não prematuro trazer a público um “pensamento em voz alta” sobre um tema cuja sensibilidade o Governo sabe melhor do que ninguém avaliar? Claro que foi. Pensamentos em voz alta não se fazem chamando jornais. Se não era um facto consumado, fruto de uma negociação fechada, qual a razão de correr um risco tão grande, em larga escala para o Governo e a sua credibilidade? Se foi estratégico para avaliar a reação do mercado, não correu nada bem. Um lapso de comunicação verdadeiramente dispensável. E uma intervenção do presidente do Governo que, acreditamos, nem o próprio gostou de fazer, precisamente porque sabia – não tinha outra alternativa – que estava a contrariar, para não dizer desautorizar, as declarações do seu homem de confiança, em que muitos depositam esperanças de futuro.

O que veio depois, obviamente, é aproveitamento político, que se insere na dialética própria de períodos pré-eleitorais. Sim, pré eleitorais, porque apesar de estarmos a ano e meio de eleições regionais, quase que podemos afirmar que a pré campanha já começou, de todos os lados. É por isso que todo o cuidado é pouco para os estrategas dos partidos. E para o Governo ainda mais. Cada passo em falso, a partir desta altura, tem um peso que não tinha noutra altura qualquer. Mas a política é isto, o importante é que a experiência e a ponderação sejam superiores à “sede” de mostrar trabalho ainda por fazer.

O subsídio de mobilidade tinha, forçosamente, que ser alterado. Sobretudo na questão em que o passageiro residente é obrigado a adiantar as verbas para depois ser reembolsado. Neste assunto, até há unanimidade dos partidos com assento parlamentar, há inclusive uma deliberação que a República meteu na gaveta. O que é claramente diferente de trazer a público, como decisão tomada, foi assim que foi entendido face à forma como o assunto foi apresentado, várias alterações, que se prendem com limitações no número de viagens e no horário das mesmas, obrigando os madeirenses a viajarem em horas menos procuradas e a viajarem as vezes que os governos entendessem como minimamente suficientes para estarem sujeitos à atribuição de subsídio. E é diferente porque isso colidia com o princípio da continuidade territorial, que o Governo tanto defende como inquestionável enquanto direito da Região e sempre disse que se tratava de um assunto da responsabilidade do Governo da República. Disse e bem.

É preciso fazer aqui uma ressalva neste assunto muito sensível, que se prende com a existência de eventuais abusos que têm a ver com a marcação das viagens tendo em conta apenas como condição um custo inferior a 400 euros. Para o passageiro residente custa sempre 86 euros, mas para efeitos do plafond disponível, é agravado se o custo global da passagem for elevado. E é verdade que o plafond também não pode ser ilimitado. E isso, logicamente, é um problema que o vice presidente do Governo, Pedro Calado focou, para de certa forma justificar alguma contenção/limitação no futuro modelo. Só que se trata de um problema incontornável quando colocamos, como questão de honra, a continuidade territorial e a liberdade de circulação em espaço nacional. Como é que podemos garantir a defesa desse princípio se dissermos que cada madeirense só pode fazer três ou quatro viagens subsidiadas por ano e só pode viajar a determinadas horas? Isso é condicionar um princípio. O vice presidente até pode ter uma opinião formada, e certamente tem, que observa o benefício da Região mas também os encargos da República, já percebemos isso inclusive por declarações prestadas, anteriores à entrevista, em que já dava indícios da necessidade de limitações. O que não pode é fazer dessa opinião a posição do Governo quando o Governo não tem essa posição. Como se viu através do presidente Miguel Albuquerque.

Para sermos verdadeiros, temos que dizer que Pedro Calado trouxe algum equilíbrio à governação, conhece o meio e tem apresentado alguns resultados que não podem ser, de todo, ofuscados por declarações menos felizes ou menos politicamente corretas, neste ou naquele enquadramento.

Não aconteceu apenas com o subsídio de mobilidade, aconteceu também com a lei laboral, sendo que neste último caso, em declarações proferidas em Câmara de Lobos, no Roteiro de Emprego, dirigiu-se aos jovens e disse:

– “O desemprego não se resolve por decreto, resolve-se muitas vezes com atitude. As pessoas não podem esperar que o Governo Regional faça tudo o que há para fazer. Podemos ajudar muito e estamos aqui para colaborar mas sem atitude não se consegue nada. Perseverança, resiliência, tentar ultrapassar os obstáculos. Por favor, ouçam bem os exemplos. Não fiquem à espera do horário de trabalho nine to five, das nove às cinco, isso acabou, hoje as pequenas, médias e grandes empresas já não têm horários de trabalho das nove às cinco, de segunda a sexta. Hoje não há horário de trabalho. Um dos grandes impedimentos ao desenvolvimento da nossa economia, infelizmente tenho que dizer isto, é a nossa legislação de trabalho. Enquanto tivermos esta legislação de trabalho, não conseguiremos desenvolver empresas nem ir ao encontro da necessidade dos mais jovens. Trabalhar com recibos verdes e com prestações de serviço, não é grave, grave é não ter trabalho”. Pois, grave, realmente, é não ter trabalho, mas hoje, mesmo com a atual legislação laboral, há jovens que trabalham, não “nine to five”, mas muitos “nine to nine”. Sempre disponíveis, sempre precários. Se isto ainda não é suficiente…

Às vezes não é o que se diz, mas a forma como se diz.