Quem foi Jesus?

Muitos preferiam que houvesse uma resposta clara e objectiva para esta pergunta. Porém, aquilo que se sabe de mais claro é que Jesus continua a ser uma figura inquietante e a certeza maior sobre a sua pessoa, pode ser, está envolto no mais profundo mistério.

Nada a lamentar sobre este aspecto. Ainda bem que as palavras, os pensamentos estão sempre aquém de tudo aquilo que é verdadeiramente Jesus. O caminho da fé desvela-nos um Jesus inesgotável, que, em nenhum momento, se circunscreve aos pensamentos pessoais ou às mais sábias doutrinas humanas.

Jesus, é um mistério, com mais de dois mil anos. Diante deste nome continuam vivas as perplexidades, os enigmas, os silêncios, os debates, os pensamentos e muitas, muitas palavras sem fim.

Mas, apesar de tudo, vamos todos juntos ensaiar aqui, hoje, neste dia da Ressurreição, alguns passos de silêncio à procura de um diálogo com Deus sobre o seu mais radical projecto para os homens: Jesus de Nazaré. No entanto, devido à vastidão da temática, reduziremos a nossa reflexão à volta de Cristo ressuscitado, razão de ser da celebração da Páscoa.

Já dissemos que a pessoa de Jesus, se reveste de uma imensidão que escapa a todo o simplismo da vida e de todas as vidas. Não se confina aos dogmatismos, às teorias, aos comodismos e aos fundamentalismos, que as várias confissões religiosas geram, mediante a necessidade de configurarem um nome só, um modelo único e uma verdade absoluta acerca de Jesus.

Mas, é o Jesus da Ressurreição, da vida infinita e plena, que negará e evitará o perigo do sectarismo, que explora exaustivamente as emoções humanas (recordemos exemplos de suicídios colectivos praticados por seitas, por ex., a Restauração dos Dez Mandamentos de Deus, no Uganda e tantas outras na América…). Também é o Jesus da Ressurreição que evita o perigo da falta de sentido para a vida humana, porque responde de forma plena às inquietações do coração humano e surge como possibilidade de salvação para todos os crentes.

Se não fosse Jesus, tudo na nossa sociedade seria mais escuro e a multidão dos desesperados seria incontável. Estas tentativas para banir Jesus do coração dos homens, reduz-se a pura teimosia e a uma cegueira soberba que mais não é senão vontade de protagonismo, fundamentalismo agnóstico e irresponsabilidade total face aos valores que nos guiaram durante séculos.

Pois então, continuam vivos os Pilatos a perguntarem: “Que é a verdade?” São as palavras dos cépticos de todos os tempos, talvez. Mas também dos homens do nosso tempo, para quem a verdade é apenas o real, o material e que conhecem suficientemente os cristãos para estarem saturados das suas eternas discussões teóricas sobre o assunto. O que equivale a dizer que aos seus olhos a verdade, hoje, não existe. E, decididamente, esta história de Jesus não os apaixona. Por isso, procuram todos os meios para livrarem-se dela.

Porém, mediante a força da fé, graça apaixonada de Deus-Pai, descobrimos a Boa-Nova deste Jesus, Filho Encarnado do mesmo Pai. Por este caminho, ousamos sonhar a frescura de uma sempre nova primavera de criativa e ousada liberdade da Igreja, a comunidade dos filhos de Deus e a memória da Cidade de Deus, peregrina nos contornos conturbados deste mundo que teima em adiar para depois a urgência da paz e da fraternidade.

Outras vezes não sentimos a fugaz ousadia da Ressurreição porque o medo deu lugar à falta de coragem, a covardia ocupou o lugar da liberdade, o desprendimento cedeu face à demasiada diplomacia, a força no anúncio da palavra apagou-se face à suavidade das meias palavras…

Mas, “medo de quê e de quem, se nada, temos a perder? Honras, audiências, popularidade, reconhecimento e homenagens, para que servem? Ah! Como é fugaz a glória deste mundo que passa!… Cidadãos do Infinito havemos de ser, na alegria e serenidade dos pobres que em Deus confiam. Influências, jogos de poder, ‘lobbies’, pressões, para quê, se a verdade não depende das estatísticas nem do ‘share’ das audiências, se o amor não se compra nem se vende, se a Igreja não está a saldo?” (José Jacinto Farias, scj, Agência Ecclesia 13/4/2000).

Talvez hoje mais do que nunca cada um procure um Jesus à sua medida, e o que é notável, é que cada um parece encontrar Nele um fato à sua medida. Por isso, nesta sociedade actual dominada pela mentalidade sectária, Jesus aparece enquadrado nas mais variadas e disparatadas manias e nos mais variados movimentos religiosos, mesmo até para aqueles que manipulam a consciência e a liberdade pessoal. Sem esquecer também os muitos gurús e líderes religiosos que manipulam a própria vida humana e os bens de cada pessoa mediante o seu gosto e desejo, isto é, está tornar-se preocupante a multidão que se deixa influenciar pelas patologias de pregadores feirantes sem escrúpulos.

Porém, a Páscoa de Cristo, é o acontecimento verdadeiro do verdadeiro Jesus. Este mesmo que fala e falou do Pai misericordioso. Pois, o facto, de Jesus ressuscitado designar Deus unicamente por essa expressão “meu Pai”, de ela ser, de certo modo, a última palavra que precede a “separação física” e, de facto, a revelação última e fundamental do Evangelho: o nosso Deus é o Pai de Jesus, o Pai de Jesus prometeu salvar-nos, o Pai de Jesus… enviou, portanto, o seu filho. O itinerário de Jesus não pode deixar de revelar o amor inefável de Deus seu Pai, tal como a parábola do pai tomado de compaixão, diante do seu filho arrependido que regressa para os seus braços amorosos (Parábola do Filho Pródigo).

Por outro lado, estamos, em relação a Jesus, diante da distinção, há muito acolhida pela teologia, entre “o Jesus da história” e “o Cristo da fé”. Quando se fala de Jesus da história, pensamos no judeu de Nazaré de há dois mil anos, acessível através da investigação histórica. Quando se fala do Cristo da fé – de Jesus Cristo, do Messias, do senhor, do Filho do Homem, do Filho de Deus… – não se pretende negar ou esquecer o conhecimento histórico, mas de ter em conta uma experiência que altera o coração e aprofunda o sentido do destino da alma humana.

A experiência da Ressurreição de Jesus escapa ao olhar do método histórico. Este só se pode ocupar do percurso entre o nascimento e a morte de Jesus. A experiência da fé é a luz da realidade invisível, que se pode fundamentar na força dos gestos e nas narrativas simbólicas – linguagem do indizível.

Diante do esclarecimento, fomos levados a considerar que a luz da fé ilumina a descoberta de Cristo Ressuscitado sem anular a força da historicidade de Jesus. Na Páscoa, em Cristo, confirma-se toda a História como plenitude, envolvida no amor de Deus-Pai em direcção à glória da eternidade.

Importa descobrir caminhos novos que conduzam à vida para todos. E na memória da Terra Prometida – a Igreja comunidade da experiência da fé – somos chamados à procura da felicidade que se encontra no Cristo vivo da História e da Ressurreição.