“Melhor é merecê-los sem os ter, Que possuí-los sem os merecer”, já dizia Camões

Como diria António Aleixo, “Há tantos burros  mandando/ em homens de inteligência,/ que, às vezes, fico pensando/ que a burrice é uma ciência”.

Ocorreu-me esta singela quadra a propósito do recente convite endereçado a Pedro Passos Coelho para lecionar no ISCSP.

Nada a opor, caso não fosse o “pormaior” de Passos não ter obtido nota para entrar numa Universidade pública, o que o levou a socorrer-se de uma privada, alegadamente conhecida por vender diplomas, cunhas e meritórias equivalências. A circunstância de (tão-somente) ter escalado 20 anos para concluir a licenciatura é coisa de somenos, dizem os seus indefectíveis sequazes. Ou melhor, para alguns, é até valor acrescentado. Exatamente por isso PPC vai ser pago como se tivesse passado os últimos 20 anos na academia. O caso é que ainda há quem pergunte porquê? Nada mais lógico. Quem melhor, e mais por dentro, conhece uma Universidade que alguém que lá morou realmente durante 20 anos? Não percebo a indignação e a gritaria. Deixá-lo ir para a Universidade. Sempre pode ser que desta vez aprenda alguma coisa… embora com um pequeno senão: a desaprendizagem alheia.

Inclusivamente, há já quem diga que o assistente será o “chotôre” Miguel Relvas, outro catedrático de mão-cheia, como é do conhecimento geral.

Quanto a Passos, só mesmo um portentoso “génio” como o dito-cujo para receber… não um, não dois, mas três convites para Universidades, na área de administração pública, gestão e economia, o que é perfeitamente compreensível depois dos exemplos didáticos, educativos e pedagógicos da Tecnoforma, do desgoverno e do “saco de gatos” em que deixou o PSD.

Em todo o caso, nada como ver as coisas pelo lado positivo: ao menos, já há uma alternativa ao teatro de revista. Pensando bem, representar o papel de suposto democrata durante quatro anos e meio não lhe daria mais currículo para lecionar aulas de Teatro e encenação? Interrogação retórica, receio.

Assim como assim, o mais interessante é que Passos vai ser contratado como professor catedrático convidado, mas com salário equivalente ao topo da carreira académica e, antes que me esqueça, com contrato sem exclusividade, o que lhe permite acumular noutras instituições académicas. É tão bom ter amigos generosos, quase tanto como os de Sócrates! Assim sendo, consta que Passos vai dar aulas em três universidades portuguesas, públicas e privadas.

Deixem-me só ciciar-lhes uma curiosidade ao ouvido. Então não é que o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, de onde partiu um dos amáveis convites (só por mera e inocente coincidência) é presidido pelo ex-deputado, eleito nas listas do PSD, Manuel Meirinho Martins. Que Deus nos livre e guarde de querer com isto levantar quaisquer suspeitas. Aliás, o ex-presidente do PSD vai dar aulas no mestrado e no doutoramento de Administração Pública, por via da meritocracia, obviamente. Mais, dada a sua proverbial versatilidade,  não vai ter nenhuma cadeira específica a seu cargo em qualquer das três instituições, podendo integrar as aulas em diferentes disciplinas mediante o calendário letivo de cada universidade.

Lá está, se havia por aí alguém que julgava que Passos não tinha “estaleca” para as ditas funções pode já tirar daí o sentido. Passos é quase tão multifuncional como um canivete suiço. Pois é, irá mesmo dividir o tempo do ensino com a escrita de um livro em que relatará os miríficos anos em que chefiou o Governo. Só não se sabe é se a escrita do livro será do próprio, mas isso também está na  moda, evocando a obra-prima literária de Sócrates, de maneira que já ninguém estranha.

Muitos são os que advogam que nada melhor que um antigo PM, com experiência de vida pública de longos anos, para ensinar Administração Pública e Economia, falar das suas experiências, vitórias e derrotas nas decisões políticas. Ora, na mesma linha argumentativa, segue-se que um trolha também está mais que qualificado para ensinar engenharia civil, já que fazer um mestrado ou doutoramento, nesta ordem de ideias, mais não é que ouvir falar sobre experiências de vida.

Dito isto, concedo que não conheço outra forma de fazer justiça às invulgares capacidades que recomendam Passos para o exercício de funções docentes que citar este excerto (final do canto X, de Os Lusíadas, est. 154, vv. 5-8), do nosso grande Camões: “Nem me falta na vida honesto estudo/com longa experiência misturado,/nem engenho, que aqui vereis presente,/coisas que juntas se acham raramente”.

Dizer menos de Passos ou é rude inveja, ou maldosa “inverdade”, em bom politiquês.

Tão certo como haver muito sapateiro a tocar rabecão.

Por via de regra,  para chegar a professor catedrático, há que publicar obra, fazer concurso, ter tempo de serviço, entre muitos outros requisitos. Pelo contrário, para um primeiro-ministro, por sinal, de má memória, tudo se resume a três penadas.

Afinal, à luz das inegáveis evidências, as Universidades de verão dos partidos políticos  já funcionam (com “doutores da mula ruça”) em todas as estações do ano, está visto.