Aqui se faz, aqui se paga

Há muito quem diga (e acompanho a tese) que para se saber o que é injustiça, nada melhor que sofrê-la na pele.
Dá-se o caso que Maria de Lurdes Rodrigues foi há coisa de dias avaliada com “Inadequado” como professora do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, no período 2014-16.
Reza a intrigante história, de dimensões quase trágico-marítimas, a avaliar pelo lamentável naufrágio, já que a todo-poderosa ex-Ministra da Educação do governo de José Sócrates, que fez da avaliação de professores o seu “cavalo de batalha”, não poderia meter mais água ao receber um “chumbo” na avaliação das “suas competências” para ensinar no ISCTE (fórmula típica, ironicamente, inventada no seu ministério), porque não inseriu toda a produção científica desenvolvida, alegando problemas de saúde. Para quem tanto rigor pregava no domínio da avaliação docente, o desleixo de não inserir toda a produção científica desenvolvida só pode ser tido como prova de grande coerência ou correspondência entre a doutrina, a pregação e os atos, sem dúvida. Os alegados problemas de saúde, naturalmente, de modo algum colocamos em causa.
Contudo, o mais inacreditável deste “maranho” é que a antiga ministra, quando inicialmente inquirida pela imprensa escrita, começou por afirmar ”a pés juntos” que não se iria candidatar ao cargo de reitora do ISCTE. Em declarações a um jornal chegou inclusivamente a afiançar: “Não sou candidata mas aborrece-me ter de dizer se me vou ou não candidatar”. Confesso que também me aborrece pensar que “Quem desdenha quer comprar”.
Claro está que Lurdes Rodrigues, não se conformando com a humilhante “reprovação”, apelou de imediato, pedindo uma avaliação qualitativa, entretanto recusada por ter sido entregue fora do prazo. Fora de prazo, logicamente, como é de responsabilidade e rigor, sobretudo quando alguém se candidata ao cargo de reitor. Num estalinho, lembrei-me das avisadas palavras de Padre António Vieira, no seu Sermão de Santo António aos Peixes, mais especificamente a passagem em que o “Imperador da Língua Portuguesa” afirma: “”ou é porque o sal não salga, e os Pregadores dizem uma coisa e fazem outra”. Não é que a citação serve, para o caso vertente, como uma luva?
Mais, a ex-ministra da avaliação de professores foi chumbada pela burocracia que a própria criou. Ironias do destino? Por outras palavras, “Quem boa cama faz, em boa cama se deita” ou, se quisermos, “rompe-se o pano ao gosto do seu dono”.
Além disso, dada a sua franciscana modéstia e proverbial humildade, Lourdes Rodrigues ainda teve esta deliciosa justificação para a incómoda “chumbada” : “Talvez alguém tivesse medo da nota estrondosa que eu fosse ter”. Não foi estrondosa, mas lá que deu estrondo, isso deu!!!
Melhor ainda, a antiga governante disse-se “preocupada” pela forma como estas notícias “descredibilizam a instituição”. Em contrapartida, só vieram credibilizar Lourdes Rodrigues, como é bem de ver. Sem ela, a instituição corre o risco de não ver reconhecidos os seus cursos e, no limite, poderá ver-se mesmo forçada a fechar portas. Coisa de perder o sono!!!
Não menos refrescante foi a sua exposição à Comissão Permanente do Conselho Científico, que validou o chumbo. “A avaliação de desempenho não é, nem pode transformar-se, num mero processo burocrático e administrativo”, argumentos também utilizados pelos professores quando Lourdes Rodrigues lhes impôs o novo modelo de avaliação em 2008.
Na verdade, o que Lourdes Rodrigues quis implantar, com grande estrondo, foi um modelo de avaliação que destruiu a relação entre colegas, que em lugar de colaborarem, como sempre o fizeram, passaram a competir, nem sempre de forma leal, o que em nada veio contribuir para a melhoria da qualidade de ensino. Muito pelo contrário.
Voltando à reprova de Lourdes Rodrigues, convém trazer à colação alguns números.
Sabe-se, a título de exemplo, que dos 289 docentes do ISCTE avaliados, 6 tiveram inadequado, entre os quais se encontrava a ex-ministra, que se queixou do esforço e dispêndio de tempo a que este sistema obriga. Nada, porém, como ouvir o argumentário pungente da própria: “Não preenchi a plataforma. Estou convencida de que quem as desenhou, colocando nos docentes o ónus do seu preenchimento, não pensou no tempo de trabalho despendido”. Ela que tanto pensava na enorme, redundante e inútil carga bu(r)rocrática a que sujeitava os professores, subtraindo-lhes precioso tempo para a planificação e preparação das suas aulas. O que não falta é lata!
Calculo o quão dificíl deverá ser conseguir ler estas comoventes palavras sem soltar uma vibrante gargalhada, sabendo-se à saciedade que sobre o seu modelo de avaliação dos professores uma das críticas mais ouvidas se prendia com a carga burocrática que a construção de fichas e instrumentos de avaliação implicava para os professores!!!
Agora que o “feitiço se virou contra o feiticeiro”, Lourdes Rodrigues, muito curiosamente defende na sua exposição argumentos também utilizados pelos professores quando ela impôs o novo modelo de avaliação em 2008. Veja-se, ilustrativamente, este comovente desabafo de Lourdes Rodrigues: “A avaliação de desempenho não é, nem pode transformar-se, num mero processo burocrático e administrativo”. Pimenta no traseiro dos outros é refresco, mas quando a pimenta é no traseiro próprio, afinal, parece que também é pimenta.
Lá está, para se saber o que é injustiça, nada melhor que sofrê-la na pele.