Casamento e união de facto: semelhanças, diferenças e consequências


*Ana Flor / ABreu Advogados

As questões não são novas, mas são recorrentes:
Um unido de facto tem os mesmos direitos e regalias de um casado?
Quais as consequências de se optar por um regime ou pelo outro?
Uma pessoa casada em separação de bens herda ou não do marido?
Desde a adoção de medidas jurídicas de proteção das uniões de facto, em 2001, que muito se discute se valerá a pena contrair casamento. Na verdade, a criação destas medidas teve sempre como objetivo, acautelar o unido de facto, sobretudo em caso de morte do seu companheiro de vida, evitando que fique desprotegido em termos do uso da casa de habitação, de manutenção de arrendamento ou de acesso, por exemplo, a pensões de sobrevivência.
Esta proteção é necessária, precisamente porque, não sendo o unido de facto herdeiro legal, e não tendo, por essa razão, qualquer direito sucessório em termos análogos ao do cônjuge, poderia ficar em situação desfavorecida no caso de, por exemplo, o seu unido de facto ser o proprietário da casa de morada de família onde ambos residiam, sem que tivesse qualquer expectativa sucessória quanto ao prédio.
Cumpre esclarecer que são herdeiros legais, ou seja, que herdam em qualquer circunstância, o cônjuge, os descendentes e os ascendentes: a lei não refere o unido de facto. Uma pessoa que viva com outra em situação análoga à dos cônjuges, e que tenha filhos ou pais vivos, terá como herdeiros, esses seus familiares diretos e já não o seu unido de facto, restando-lhe a possibilidade de ser nomeada herdeiro por testamento, que nesta situação se reduz a um terço dos bens do falecido, única porção livremente disponível à luz do direito português.
A este respeito prevê a lei que o unido de facto possa ser protegido pela atribuição de um direito de uso correspondente a um mínimo de 5 anos na casa de família, ou o período correspondente à duração da união de facto. Semelhante solução é a do arrendamento, pela qual o unido de facto poderá permanecer no locado como arrendatário nas condições de mercado.
Poderá também, em caso de doença do unido, beneficiar do regime de faltas para o acompanhante da família ou na situação de morte ter acesso à legal pensão de sobrevivência.
Ora, estas prorrogativas não são verdadeiros direitos sucessórios: são formas de proteção do unido de facto e podem perfeitamente coexistir com a existência de herdeiros legais que “tomarão conta” da herança do falecido, como sejam os seus filhos, os seus pais ou até o seu cônjuge (se o unido de facto nunca se tiver divorciado), que se arrogarão a todos os bens deixados, inclusivamente saldos bancários ou até os bens móveis existentes à data do óbito. Ou seja, coexistindo um casamento válido e não dissolvido, o regime da união de facto não se poderá aplicar, ainda que factualmente a situação se verifique: um casado não divorciado não pode ser legalmente unido de facto, para o efeito de ser titular da proteção legal anteriormente descrita.
Por isso, na hora de optar entre um e outro, tenha isto bem presente.
Ainda na temática das situações patrimoniais dos casados, cumpre esclarecer e até desmistificar a questão dos direitos sucessórios das pessoas casadas em separação de bens.
Comecemos por informar que o regime da separação de bens, não sendo o regime supletivo legal – aquele que é adotado se outra não for a opção dos cônjuges – pode e deve ser adotado, como forma de manter a administração e disposição dos bens, a salvo do escrutínio de ambos os cônjuges.
Na verdade, sendo a pessoa casada no regime da comunhão de adquiridos, a lei prevê um direito de “veto” do cônjuge, mesmo em relação a bens que não são do casal, como por exemplo, os bens imóveis exclusivos de um dos cônjuges, seja por via sucessória, seja por via de aquisição anterior ao casamento ou pela doação exclusiva a um dos membros do casal. Nesta situação, a lei prevê que o cônjuge “não dono” seja chamado a consentir nos atos de disposição ou oneração dos seus bens próprios, o que, na maior parte das vezes, se revela de difícil articulação, por exemplo, com o projeto familiar de venda de bens da herança.
Já o regime da separação de bens exclui a administração do cônjuge “não dono” dos bens que não são seus, com exceção da venda ou oneração da casa de morada de família. No demais, cada um dos membros do casal mantém plena liberdade de administração e disposição dos seus bens.
Esta situação não se confunde com a previsão legal que qualifica o cônjuge como herdeiro legal: na verdade, mesmo nas situações em que o casal tenha optado pelo regime de separação de bens, pela morte de um deles, o outro é herdeiro legal, na sua plena aceção, podendo, caso o falecido não tenha filhos ou pais vivos, receber, por herança, a totalidade dos bens do falecido, mesmo que em vida não fosse conjuntamente com ele, proprietário de coisa alguma.
Ao contrário da mensagem – errada! – que muitas vezes é transmitida em conversa de café, é preciso distinguir as duas situações, as quais podem trazer dúvidas, pela sua complexidade, por isso…
Esteja atento!