Padre Giselo – um “pecador” sem perdão ou um ser humano de carne e osso?

Nada como uma breve incursão pela etimologia para percebermos as razões, de fundo, que levam a igreja católica a defender o celibato “com unhas e dentes” ou placa, conforme os casos de beatas ou beatos mais conservadores.
Linguisticamente falando, celibato deriva do latim cælibatus, ou seja, “sem estar casado”, por oposição a coniugalem, conjugal, isto é, com jugo, uma espécie de forca sob a qual desfilavam (perante os Romanos) os inimigos vencidos.
Por outras palavras, o celibato parece ser apanágio dos vencedores, livres como passarinhos, ao passo que a vida conjugal é castigadora forca e penitente subjugação dos vencidos. Nada mais genuíno. Se assim não fosse, quem me explica a razão que leva o povo a dizer de um noivo: “Olha mais um que se vai enforcar”? Pois é, o povo sabe do que fala, não fosse a voz do povo a voz de Deus.
Já outros há (e acompanho-os no pensamento) que acreditam que não existe ser humano perfeito, muito menos um marido! Ora digam lá se não é este o motivo, o mais racional, pelo qual muitos padres não se deixam cair no pináculo da imperfeição – ser maridos. Irmãos caríssimos, a equação é muito simples: se um sacerdote está condenado a ser imperfeito, ao menos que o seja solteirinho. O contrário disto é desconversar.
É claro que há alguns membros da Igreja católica, com sentido mais piedoso e patriótico, que, mandando a castidade “às urtigas”, seriamente preocupados com a galopante baixa da taxa de natalidade, são tentados a contribuir solidária e caridosamente para o seu crescimento com sobrinhos e afilhados “em escadinha”, daqueles que, apesar do suposto parentesco mais distante, são a “cara do pai toda”. É assim: já que há muitos que não se mexem; outros há que cumprem os seus deveres de cidadania ativa. O problemazito é que, salvo honrosas exceções, na maioria dos casos, hipocritamente, não assumem os seus atos.
Como escrevia o apóstolo Paulo em 1 Coríntios 7, “Eu desejo que todos sejam como eu sou. Mas cada um tem o seu próprio dom de Deus, um de uma espécie e uma de outro. Para os solteiros e as viúvas digo que é bom para eles permanecerem como eu sou. Mas se eles não podem exercer auto-controlo, devem casar. Por isso, é melhor casar do que queimar com paixão.” (versículos 7-9).
Em todo o caso, o que é certo é que ao longo da História muitos foram os avanços e recuos na aplicação desta prática eclesiástica, nomeadamente entre o clero secular.
Apesar de o celibato ter acabado por se impor no Ocidente (o Código de Direito Canónico impôs o celibato a todos os sacerdotes da Igreja Latina em 1123), há várias exceções de sacerdotes casados na Igreja Latina, designadamente Papas casados ou, se quisermos, que optaram pelo sacrifício de “se enforcarem”, a saber: (Adriano II, Honório IV), bispos casados (na diocese da Islândia até à Reforma protestante); (o bispo Salomão Barbosa Ferraz no Brasil) e vários padres casados ordenados nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Reino Unido e Escandinávia, sob autorização especial. Assim como assim, como alguns pregam, nenhum homem tem o direito de ser mais feliz que o outro. Logo, todos têm de casar.
Comparativamente, o Islão (e bem) não promove o celibato.Muito pelo contrário, promove o casamento. De facto, de acordo com o Islão, o casamento é um forma que permite à pessoa chegar ao mais elevado nível de justiça espiritual e sagrada.
Há inclusivamente registos de incidentes em que pessoas indagaram ao Profeta Maomé que eles preferiam viver em oração, celibato e jejum para alcançar o amor de Deus. No entanto, Maomé disse-lhes que, apesar de esta escolha ser boa, era também uma bênção constituir uma família. Porém, o Islão respeita aqueles que escolhem conduzir a sua vida dessa maneira. Igualmente louvável.
De momento, fruto das evidências factuais, não alimento ilusões sobre a mudança da posição de “finca-pé” da Igreja Católica, no sentido de permitir o casamento dos seus membros ou de constituição de uma família.
A minha convicção tem como base uma entrevista, concedida pelo atual Papa Francisco, enquanto bispo na Argentina, Jorge Bergoglio, a propósito da questão do celibato dos padres. De forma inequívoca, o papa vincava tratar-se de “uma questão de disciplina, não de fé”, admitindo que “Há padres que caem nestas situações”.
Finalmente, para desfazer quaisquer eventuais dúvidas, o Papa deixaria “preto no branco” a sua tendencialmente irrevogável (não confundir com o irrevogável de Portas) e conservadora posição: “Se um deles me aparecer a dizer que engravidou uma mulher, ouço-o, procuro transmitir-lhe a paz e aos poucos faço-o perceber que o direito natural é anterior ao seu direito como padre. Portanto, tem de abandonar o ministério e tomar conta daquele filho, mesmo que decida não casar com a mulher”.
No que toca ao Judaísmo, os Rabinos podem ter relacionamentos e casar. A única recomendação é que a esposa seja judia. Estarão mais longe de Deus? Serão menos inteiros na sua entrega? Serão mais pecadores que os celibatários?
Entre os Pastores (batistas, metodistas, da Assembleia de Deus ou de qualquer outro credo) o casamento é uma realidade. Entre os luteranos há grupos de monges que, por opção, adotam o celibato. Sublinhe-se “por opção”, não por imposição ou “teias de aranha”.
Estarão mais longe de Deus? Serão menos inteiros na sua entrega? Serão mais pecadores que os celibatários? No Cristianismo Ortodoxo, homens casados podem tornar-se padres, mas dificilmente serão promovidos a bispos. A regra é reproduzida em correntes católicas orientais, como a maronita e a ucraniana. Estarão mais longe de Deus? Serão menos inteiros na sua entrega? Serão mais pecadores que os celibatários?
Aqueles que estão satisfeitos com as regras atuais da igreja argumentam que o celibato sacerdotal permite que os padres dediquem inteiramente o seu tempo e energia ao seu “rebanho”, seguindo mais fielmente os passos de Jesus, que também nunca casou. Discordo, de todo em todo, dessa suposta maior dedicação. Sem quaisquer reservas, insisto.
Outro argumento que, no meu entender, não colhe é o de que ter uma família poderia realmente mitigar o tempo e a energia dos sacerdotes, que agora se concentram exclusivamente nas necessidades espirituais de seu “rebanho”. Decididamente não perfilho este raciocínio “preso por arames”.
Para sustentar a minha posição socorro-me dos argumentos de Bill Tammeus, presbítero e ex-colunista de religião do jornal The Kansas City Star e autor de The Value of Doubt: Why Unanswered Questions, Not Unquestioned Answers, Build Faith, nos quais me revejo.
Em primeiro lugar, quando prestam aconselhamento pré-matrimonial ou matrimonial, os pastores casados (homens ou mulheres) podem trazer a sua própria experiência pessoal, inclusivamente as situações em que necessitaram de ajuda externa para resolverem os seus próprios problemas, o que poderá ser potencialmente reconfortante para os que os procuram.
Além disso, a maioria dos pastores casados entende as tribulações e as alegrias da paternidade porque eles próprios são pais. A esta luz, os pais que procuram aconselhamento entendem que a pessoa que os está a ajudar também já o procurou. Acresce que, como pais, os pastores, ou pastoras, muitas vezes estão mais aptos para estruturar programas educacionais para filhos de idades variadas da sua comunidade.
A indesmentível verdade, para mais que muitos, é, igualmente, que a tentação sexual não se esfuma num estalar milagroso de dedos seja para pastores casados, seja para padres celibatários. Ressuscitando o saudoso pastor norte-americano Martin Luther King Jr., “I have a dream”: sonho que um dia, abençoado dia, mulheres e homens, ordenados indistintamente, possam ter a justíssima opção do casamento, na certeza de que a mesma virá abençoar muito mais a igreja do que a amaldiçoar. Sonho que um dia, finalmente, a palavra Padre signifique literalmente Pai, e deixe de escudar-se, tantas vezes hipócrita e desumanamente, sob a mentira “cristã” de tio ou tia, do padrinho ou madrinha, dos sobrinhos ou afilhados, indisfarçavelmente com a cara do pai ou da mãe toda.