Paroquianos do Monte apoiam o padre Giselo: “Vamos apagar tudo o que ele tem feito de bom apenas por um ato eventualmente mal feito?”

Miguel Santos, carreiro do Monte, considera que ninguém tem o direito de condenar o padre Giselo Andrade. Fotos FN

*Com Emanuel Silva

08h00, domingo, na Igreja de Nossa Senhora do Monte. O pároco Giselo Andrade celebra normalmente a liturgia dominical perante uma igreja de fiéis. A notícia dos últimos dias na comunicação social, de que o mesmo sacerdote assumiu a paternidade de uma criança, não foi em momento algum abordada ou explicada aos paroquianos do Monte, como era aliás previsível. Após a celebração, o padre Giselo foi chamado a outros afazeres, deixou a Igreja para voltar a celebrar missa pelas 11 horas deste domingo.

O Funchal Notícias passou pelo Monte e interpelou quem foi à missa e quem não esteve na celebração dominical. Nos últimos dias, a inevitável polémica em torno da notícia de que o padre Giselo Andrade assumiu a paternidade de uma criança, fruto de uma relação com uma antiga namorada, tem despoletado comentários e críticas, atendendo ao voto de celibato a que os padres estão obrigados. Nas nomeações da Diocese, ontem conhecidas, o Bispo segurou o sacerdote do Monte. Uma continuidade no exercício de funções que ninguém sabe se é para durar ou temporária.

Uma coisa é certa: quando o assunto da paternidade do pároco é por nós mencionado, há um misto de reações: o olhar embaraçado de alguns, com o comentário, “é um assunto forte…”, e a resposta emotiva pronta a disparar aos jornalistas “o que é que vocês têm a ver com a vida privada do senhor padre? Metam-se na vossa vida!”

Renato Ramalho lembra para o historial de “bem” que tem feito o padre Giselo Andrade e que há padres cujos sobrinhos são como filhos. Vídeo FN

De forma mais emocional ou racional, o FN pôde constatar duas evidências que passam pela dúvida e pela defesa inequívoca do padre. Os paroquianos do Monte ainda questionam: será mesmo verdade que o seu padre concebeu uma filha? Não será sobrinho, e portanto, a fazer a vez de pai da criança?

Mas, perante a inevitabilidade do facto de o sacerdote ter assumido a paternidade, os populares unem-se no apoio inequívoco “ao padre excelente que está sempre com o povo. Acima de tudo, tem mostrado, em diversas situações problemáticas no Monte que é humano. Sabe o que quer dizer um padre humano? Que está connosco nos incêndios, na lama dos temporais, que é o primeiro bombeiro a chegar à tragédia para ajudar a sua gente, que pena em si mesmo em último lugar. Ou será que vamos apagar tudo isto por um ato eventualmente precipitado ou até mesmo humano?”

Para os paroquianos, o trabalho excelente do padre merece ser agora ser valorizado.

O frio já cobre o Monte. Os turistas espalham-se, de forma escassa, pelas escadarias do imponente templo, naturalmente alheios à polémica. As vistas do alto da Igreja são soberbas. Apenas um taxista espera por clientela. Os carreiros do Monte de folga. À saída da missa, todos procuram o aconchego e dois dedos de convívio nos cafés da redondeza.

No Café/Restaurante Alto Monte, o assunto é abordado pelo FN. Ninguém quer dar a cara à fotografia. Mas as vozes sucedem-se em defesa do padre Giselo. “É degradante a comunicação social estar a explorar a vida privada do senhor padre. A sua vida privada não diz respeito a ninguém. Por que não desenvolvem o trabalho notável que ele tem feito pela paróquia? Tem sido um padre excelente, que está com o seu povo”. Mesmo ao lado, um homem com mais de 80 anos, não tem conversa para esta celeuma: “Quem se meteu que se tire. Não tenho nada a ver com isso!”

O padre Giselo tem celebrado as missas de domingo com normalidade, sem mencionar o assunto pessoal.

Noutro bar, junto ao Largo da Fonte, todos baixam os olhos face ao melindre do assunto. Mas um carreiro, sem medo de dar a cara à reportagem, declara sem subterfúgios: “O que está errado nisto tudo é o celibato dos padres. Há muito que o Papa já deveria ter acabado com isso porque leva a situações que não são transparentes. O padre é um homem como todos nós”.

Miguel Santos, carreiro do Monte, não julga o trabalho do sacerdote na paróquia e até acha que os carreiros não têm muitas razões para aplaudi-lo. No início, até foi simpático para com os carreiros mas nos últimos tempos pouco fala. Mas nesta questão da paternidade, vem em sua defesa, reservando-lhe o direito à privacidade e liberdade de escolha. Outro amigo acrescenta: “Foi melhor ele ter uma relação com uma mulher do que com um homem como há tantos outros a fazê-lo no silêncio e na promiscuidade… O padre é um ser humano e não podemos tratá-lo de outra forma. Neste momento, precisa é de ser apoiado pela paróquia e o resto é conversa”.

Tiago Ramalho, com mais de 40 anos a servir no Café Cine Parque lembra que há padres cujos sobrinhos são verdadeiros filhos…

Junto ao bar/restaurante que fica perto das traseiras da Igreja, um grupo de senhoras abriga-se da chuva. Ligadas à catequese e a outros movimentos da igreja, expressam a sua total solidariedade para com o sacerdote. Recusam novamente a fotografia mas lembram que o padre Giselo Andrade tem operado uma grande transformação no Monte, incutindo a fé em quem não a tinha, sobretudo através das suas celebrações carismáticas às quintas feiras na Igreja do Monte e, por isso, recusam-se a apagar todo um historial de trabalho e de amor ao rebanho em nome de algo do qual não têm provas de ser verdade. Um mulher que integrava o grupo, de forma aguerrida, mas sem dar nem nome nem foto, gritou de viva voz: “Este senhor padre tem sido a salvação do Monte. Tem chamado à fé e à Igreja pessoas com tantos problemas que estavam no mau caminho. Pois se ele tiver ou vier a ter uma eventual situação pessoal menos correta, quem tem fé fica ainda com mais fé nele, pois é nos momentos da dor que a nossa fé se intensifica. Também ele tem estado sempre junto daqueles que sofrem. Seremos nós agora a virar-lhe as costas? Só o povo é que pode dar o seu testemunho sobre o padre Giselo, no seu dia a dia, na sua relação com os paroquianos e, sobre este assunto, tem sido um ser humano excecional”.

Outra colega, a olhar com censura a reportagem do FN, também disparava: “As pessoas devem é levar a boca com lixívia antes de falarem nos outros. Falem da vossa vida privada e deixem o Padre Giselo com o seu povo que o irá defender sempre”.

Eis que a chuva cai, miudinha mas teimosa. No Largo da Fonte, o Café Parque abre as portas mesmo sem clientela. Tiago Ramalho, ali a trabalhar há mais de 40 anos, começa por dizer ao FN que persiste a dúvida em saber se efetivamente o padre Giselo concebeu ou não um filho. Lembra que há ignorância por parte de alguns, uma vez que desconhecem um decreto da igreja que faz dos padres verdadeiros pais dos seus sobrinhos. Ainda assim, mesmo se confirmando a paternidade do pároco, o nosso interlocutor replica: “Então, vamos apagar tudo o que ele tem feito de bom apenas por um ato eventualmente mal feito?”

As conversas discretas mas incisivas prosseguem. Será certamente tema central de conversa nos próximos tempos. O apoio da paróquia parece ser evidente. Afinal, quem não falha? Quem somos nós para julgar a vida privada dos outros? Resta saber a questão central em todo este processo: a de saber se o próprio sacerdote – que não fala à comunicação social – se sentirá com condições, a título pessoal, para continuar a exercer o seu trabalho numa paróquia, com este histórico pessoal e familiar. Da parte da população, na dúvida e na certeza, o padre continua.

A beleza do Monte que se capta do alto da Igreja quase esmaga as querelas humanas.