Construção de Palcos (In)culturais

A Madeira tem atualmente alguns auditórios com os seus respetivos palcos (de formato médio e pequeno), um pouco espalhados por toda a Região, na sua grande maioria no Sul, mas também alguns no Norte da ilha e um no Porto Santo.

Mas nem todos têm as condições técnicas apropriadas para apresentar-se performances artísticas. Podemos até mesmo falar de falhas ou fragilidades incompreensíveis, na construção de alguns palcos e auditórios que têm sido projetados nas últimas décadas. Tudo por existir uma descarada falta de diálogo dos responsáveis pela construção dos palcos, com os criadores e artistas que andam no terreno – melhor dito no palco. Estamos a falar de pormenores importantes para os criadores artísticos e fáceis de resolver, sem aumentar os custos de construção.

Não podemos, dar-nos ao luxo, de construir um palco, só destinado a conferências, debates, seminários e congressos. Um palco deve ser um espaço o mais polivalente possível, um local que sirva também para a apresentação de artistas nas áreas do teatro, dança, música e outras vertentes artísticas. Quando confrontamos alguns dos responsáveis por esses espaços, sobre as faltas ou falhas técnicas, dizem logo de boca cheia: ”mas isto não foi pensado para teatro.” Quando um palco com as condições mínimas para a realização de espetáculos teatrais, serve para todas as outras áreas artísticas e afins.

A verdade é que a maioria destes espaços culturais, apresentam algumas insuficiências, em termos de funcionamento para uma melhor performance dos artistas e uma melhor qualidade para quem usufrui das ações que acontecem nesses palcos.

A arte que acontece nos palcos é claramente uma ferramenta valiosa para a construção de uma sociedade mais equilibrada culturalmente. Por isso, há que existir uma maior sensibilidade na construção dos espaços culturais, de forma a se proporcionar melhores condições às equipas técnicas e artísticas.

“É que, antes de mais, não basta ter um edifício para se concretizarem ideias, devendo antes estas existirem antes do edifício, mas bem estudadas, arquitectadas e estruturadas, e sobretudo entregues ao cuidado de pessoas competentes e com vocação.” Fonte: (https://funchalnoticias.net/2017/07/30/cultura-para-enfeitar-eleicoes/).

Não se pode dizer simplesmente que, “o que lá vai, lá vai”, porque apesar de alguns alertas, os erros continuam a surgir nos novos espaços que se vão construindo. Há por vezes uma grande preocupação – ou vaidade – na estética ou design dos auditórios, e esquece-se – ou ignora-se –, qual é a verdadeira função de um auditório, com palco, régie e plateia.

Mas para se entender melhor, as minhas preocupações, ou constatações, passo a elencar uma série de falhas ou faltas que, no meu entender, prejudicam e muito, o melhor funcionamento dos espetáculos apresentados nos palcos em alguns espaços culturais:

– Palcos sem uma vara de frente para colocar-se os projetores de luz de modo a poder iluminar-se convenientemente a cara dos que usam o palco (atores, bailarinos, músicos, cantores, animadores, apresentadores);

– Palcos totalmente despidos, sem as necessárias pernas (tiras de pano que são colocadas na vertical desde o palco à teia, que corresponde ao teto do palco), para que oculte os bastidores e até se crie o fator surpresa;

– Auditórios com degraus e com desníveis na entrada e saída das cadeiras, que são umas autênticas ratoeiras;

– Auditórios com um acentuado desnível das plateias, que são mesmo um autêntico “abica burros” (regionalismo madeirense que significa um terreno acidentado com inclinações muito pronunciadas), dificultando e muito a circulação de pessoas com mobilidade reduzida. Imaginemos a desordem, numa situação de emergência;

– Auditórios recentes sem espaços reservados para cadeiras de rodas e com acessibilidades muito deficitárias, prejudicando o uso dos cidadãos dependentes de limitações físicas, sensoriais e intelectuais. E tanto que se apregoa sobre a importância da acessibilidade e da inclusão social das pessoas com deficiência;

– Palcos sem bastidores à direita e à esquerda e alguns sem a necessária passagem pelo fundo do palco;

Constrói-se régies (cabines de som, luz e vídeo) mal posicionadas, com uma má visão geral do palco;

– Ausência de rampas e algumas quando existem, têm inclinações excessivas;

– Auditórios com sinalização deficiente e corredores apertados;

– Auditórios com escadas e corredores sem corrimãos;

– Palcos altos em relação às primeiras filas da plateia (ao assistir a um espetáculo nessas filas estamos sujeitos a ganhar um grande prémio, chamado torcicolo);

– Auditórios e palcos sem acesso para pessoas com mobilidade reduzida;

– Palcos envernizados, que só chocam com um possível desenho de luz de um espetáculo de teatro ou dança. Se não querem um único risquinho no palco, o espaço deveria ter um linóleo – preto dum lado e cinzento do outro – para cobrir o palco, quando necessário;

– Palcos sem o pano de boca de cena, o que não permite guardar a expetativa dos cenários, antes de iniciar os espetáculos. É caro, sim! Mas não seria pedir muito, que as instituições responsáveis por esses espaços, poupassem um pouco o dinheiro dos contribuintes, em vez de esbanjarem balúrdios com grupos musicais de fora (isso é que é unicamente cultura para muitos) e investir em equipamentos nos espaços culturais, demonstrando assim, um bom e justo serviço público. E ficava-lhes tão bem, uma ligeira sensibilidade, no mínimo, com os criadores, artistas e a população que usufrui, anualmente, dos espaços culturais;

– Espaços culturais onde o ar condicionado que não funciona ou funciona bem mal, por falta de manutenção;

– Espaços com as lâmpadas dos projetores de luz que se fundem e não têm “stock” para substituir as mesmas. A verdade é que alguns espaços até têm projetores de qualidade, mas com o tempo, devido à falta de material e sem a devida manutenção, vão ficando inutilizáveis;

– Ausência de um leque muito variado de equipamentos técnicos e de recursos humanos para apoio a espetáculos e eventos;

Sei que tudo isto ficará em águas de bacalhau, no entanto não deixo de apontar algumas situações que poderiam contribuir para termos melhores palcos e espaços culturais. Apesar de todos os constrangimentos financeiros que a região e o país passa, seria importante dotar os espaços culturais com as condições adequadas, para que os artistas com a s suas ideias possam continuar a desafiar-nos todos os dias a olhar para o mundo com outros olhos.

Com todo respeito pelo trabalho dos projetistas, arquitetos e engenheiros, mas não custa nada ouvir quem anda na área das artes performativas (teatro, dança, música), para não se construir espaços culturais com palcos ineficazes. Infelizmente, existem determinados espaços culturais que são mesmo casos para dizer: tirem-me deste palco.