Crónica Urbana: Brincar com os mortos e gozar com os vivos

Rui Marote

E esta …! Dedicar uma possível vitória de hoje da equipa de futebol do Marítimo frente ao Dínamo de Kiev às vítimas do Monte… Não “brinquem” com os mortos. Isto pode parecer absurdo, mas está estampado hoje em declarações aos jornais de um dos responsáveis pela equipa.

Lá diz a Bíblia: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem” (Efésios 4.29)

Entretanto, enquanto alguns dizem estes absurdos, continuamos a só ser uma Região Autónoma no estatuto. Porque somos uma Região sempre de chapéu na mão.

Sempre que há desgraças, ou se diz que não temos meios, ou aos nossos técnicos são passados atestados de incompetência. Mas hoje os meios existem. Não é como no passado. Exemplificamos: em 1978, a Câmara do Funchal não tinha gabinete jurídico. Recorria na maioria das vezes a advogados na área vizinha da edilidade.

Recordo que no tempo de Sá Fernandes presidente, muitas vezes a reunião da Assembleia Municipal era interrompida para levar os documentos aos advogados no exterior para saber se as normas a aprovar estavam correctas. Enquanto isso se processava, os deputados municipais tomavam café na Havaneza. Por cima eram os escritórios dos causídicos. Assunto resolvido, dava-se um “grito” para alertar que os trabalhos seriam reconduzidos.

Outras Câmaras da Madeira não tinham gabinetes de projectos e obras e recorriam ao Governo Regional. Mas hoje tudo é diferente. Os meios são outros e as câmaras têm os seus gabinetes legais, os seus engenheiros e arquitectos.

Embora tenham essas ferramentas, quando ocorreram os incêndios no Funchal, a Câmara de Lisboa mandou os seus técnicos para vistoriar uma dúzia de prédios velhos, como se não existisse ninguém na Madeira capaz de o fazer. Hoje, com a tragédia do Monte, recorre-se à peritagem de uma empresa continental e ao Instituto Superior de Agronomia, quando abundam na Madeira engenheiros técnicos e engenheiros agrónomos conhecedores da área florestal.

Por outro lado, na medicina legal, para efectuar treze autópsias recorrem a pessoal do rectângulo, do Instituto de Medicina Legal. Afinal não temos médicos suficientes nessa área? Sabemos que está uma médica madeirense com a referida especialidade há dois anos à espera de entrar para o quadro…

E nos últimos dias os serviços hospitalares têm-se multiplicado em telefonemas para os doentes com consultas externas, a cancelar as mesmas e a marcá-las para outras datas, apresentando o motivo de que os médicos estão ao serviço dos sete internados no hospital Nélio Mendonça, vítimas da catástrofe do Monte.

Conclusão: estamos preparados para ser autónomos? 40 anos depois não é tempo suficiente para resolvermos os nossos próprios problemas? Ou temos de continuar a ser levados infantilmente como crianças que entram pela primeira vez na escola? Só falta dizerem-nos “cresçam e apareçam”…