A culpa aos “empurrões” e “Alice no País das Maravilhas”

As eleições trazem sempre um cenário idílico. Ficamos como Alice, umas vezes no país das maravilhas, outras em frente ao espelho, mas parecendo, como na história, que corremos atrás do coelho e arriscamos sempre cair na toca, na procura incessante do “lugar fantástico” próprio dos sonhos. Na maior parte das vezes, ficamos pela procura. Podemos mesmo mudar de tamanho, pensamos grande por um lado, pensamos pequeno por outro, mas nas eleições estamos todos muito convencidos que tanto emissores como recetores sabem disto e não é pouco. Sonham, logo concretizam. A realidade é outra, passamos a vida a pensar que sabemos pensar e chega às eleições pura e simplesmente não pensamos. Esta irracionalidade, mesmo sendo geral, beneficia sempre os eleitos.

A terra que queria ser um paraíso, de repente tem o paraíso nas mãos e não sabe o que fazer com tanta promessa. Num ápice, as grandes causas, que durante tanto tempo foram consideradas difíceis, de negociação apertada e de concretização praticamente impossível, aparecem como que por milagre e tornam tudo mais fácil neste mundo em que a fantasia do ter sobrepõe-se, umas vezes com subtileza quanto baste, outras vezes com a rudeza que menos chegava, ao realismo do ser, como se as pessoas fossem nada do ser e fossem tudo do ter. É o mundo social, das pessoas, virado do avesso pelo mundo económico, dos números. E no meio deles, muito humano com pouco sem caráter.

A culpa é de tanta gente que já nem se sabe muito bem de quem é a culpa. Esta tem sido a sensação que os portugueses vêm sentindo sempre que há uma discussão pública sobre acontecimentos, que envolvem figuras ou instituições públicas, com maior ou menor intervenção, com maior ou menor gravidade, não comparáveis em quase tudo. Menos num aspeto: a culpa anda sempre aos empurrões. Vêmo-la andar de um lado para outro e não há forma de parar. Só quando se esquece. E em tempo eleitoral, então… Temos casos concretos, cá e lá. Ribeiras, Savoy, “ferry”, subsídio de mobilidade, incêndios, esplanadas, Pedrogão Grande, Tancos.

Estas circunstâncias muito específicas das pré-campanhas e mesmo das campanhas, revelam, também aqui, uma face negra da política e uma face mais negligente, mais superficial, de quem está apto a votar. Em muitos casos, apto como quem diz…

Quando se diz que o povo não quer festas, é mentira, o povo quer festas e quanto mais festas melhor, não está muito preocupado com mais nada. É assim, não é politicamente correto dizer isto, mas é assim preto no branco. As pessoas gostam de promessas, gostam de ouvir dizer que o “ferry” está quase, o cargueiro já está, a bolsa de camas vem aí, até os limites do vento do aeroporto são ponto de discussão, milhões para a estrada A, outros milhões para a estrada B, uns milhares para o alargamento da entrada de um beco que fica numa vereda, a asfaltagem de estradas porque só agora há dinheiro, assiste-se a tudo. Um jornal diz que o “ferry” está a 100 euros, outro diz, no mesmo dia, que fica a 25, de fonte certa e próxima, não se sabe se a mesma. Vê-se depois que uns falam em trajeto, outros em viagem com ida e volta. Já agora, fica a 12,5 euros por metade de um trajeto e, se calhar, um euro e meio até à Ponta de São Lourenço. Se não fosse sério, até se achava engraçado. E aqui não há santos, são todos iguais. O povo também. Embora aqui, sejam uns mais iguais do que outros. Os menos iguais, claro, são menos.

É preciso responsabilizar os políticos por aquilo que prometem e não fazem, por esta “poluição” eleitoral inconsequente, pela gestão dos dossiers, pela forma como iludem o eleitorado. Mas também é preciso pedir responsabilidades, de algumas políticas mal executadas, ao próprio eleitorado, aquele que não vota, que se demitiu do seu contributo e do seu direito de exercer o voto e, com ele, poder participar na vida do país e ter legitimidade para falar, para reivindicar, para dizer que acertou ou errou, para assumir os erros se for esse o caso. Nem o País nem a Região precisam de quem se abstém, embora esse seja um direito que assiste em democracia, temos que respeitar, o que não significa que seja a postura certa do ponto de vista da participação democrática. Porque pior do que um voto nulo ou branco é se abster, é dizer que se está nas tintas, mas nas tintas para o País onde vivem e para a Região onde vivem, porque os políticos passam, as instituições ficam. As pessoas, às vezes, esquecem-se disso.

Estamos a menos de dois meses das eleições autárquicas e o frenesim já é o que é. Todos os dias, oficiais e oficiosos fazem chegar a mensagem. Milhões em cima de milhões, as obras que começam em setembro, outras que acabam em setembro, esperemos que até 30. É o tudo ou nada em cada concelho. E o Governo a entrar na corrida como se disso dependesse o seu futuro. Se calhar…