“Há uma espécie de clientelismo na Câmara de São Vicente com modelo terceiromundista de chapéu na mão”

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“O Orçamento da Câmara está a ser usado para troca de votos. Para dar telhas, tintas, areias, reconstrução de casas, a maior parte sem documentos e sem qualquer rigor”, acusa Ricardo Catanho, candidato do PS em São Vicente. Foto Rui Marote

Há quatro anos, o Partido Socialista decidiu apoiar o movimento “Unidos por São Vicente”. Com um objetivo muito concreto: acabar com a hegemonia social democrata ao longo de anos, com sucessivas lideranças garantidas na estrutura de governação autárquica. As forças uniram-se, não por razões ideológicas, mas por um interesse considerado superior para a mudança. E aconteceu mesmo, a Câmara “deu a volta” e o PSD caíu mesmo, curiosamente às mãos de um social democrata, que já então independente, subiu ao “trono” para gerir o concelho.

Para novo mandato e com as eleições marcadas para 1 de outubro, o PS decidiu “abandonar o barco” e apresentar um candidato próprio, Ricardo Catanho, guia de montanha e ex-vereador, já prepara a estratégia que visa contrariar aquela que, aparentemente, é uma tendência visível de que José António Garcês tem a reeleição mesmo “à porta”.

A forma “leviana e vergonhosa como se juntou ao PSD”

O candidato socialista tem um discurso crítico em relação ao presidente da Câmara. Mas antes, lembra o início do processo que levou Garcês ao poder, com tudo a começar logo após as primeiras eleições internas no PSD, em que houve uma espécie de “caça às bruxas em São Vicente para ver quem traiu Alberto João Jardim. O PS viu isso e como o objetivo ao nível da Região era criar um movimento que retirasse o maior número de câmaras ao PSD, decidimos sair de cena se José António Garcês aceitasse liderar esse movimento. E aconteceu, ele aceitou e nós retiramos, sem qualquer contrapartida. Ganhou com todo o mérito”.

Os socialistas, “com um papel importante na génese do movimento”, surgem do lado oposto, com um candidato próprio e com muita tensão latente relativamente ao agora opositor José António Garcês. O homem que vai à frente da candidatura socialista aponta duas razões para este “divórcio”: de um lado, “a forma leviana e vergonhosa como Garcês se juntou ao PSD logo a seguir às eleições, deixando de parte o PS, quando devia ao PS a sua eleição e quando nunca seria eleito pelo PSD, que, recorde-se, apresentou um candidato próprio”. Do outro, que Ricardo Catanho considera como sendo o lado com mais peso, “está o modelo de gestão dos dinheiros públicos, que está a ser seguido pelo atual presidente da Câmara”.

Está a criar-se na Câmara uma espécie de clientelismo

Ricardo Catanho passa mais ao ataque visando a orientação autárquica: “O Orçamento da Câmara está a ser usado para troca de votos. Para dar telhas, tintas, areias, reconstrução de casas, a maior parte sem documentos e sem qualquer rigor da respetiva atribuição. Somos a favor das ajudas, mas com critério devidamente definido, não de forma discriminada. E quem aparece a dar essa oferta é sempre o presidente da Câmara, criando desde logo uma relação quase de dependência entre o presidente e o munícipe, é visto como um favor e não como um dever”. Sem se deter, mantém a tónica acentuada de crítica à atuação de José António Garcês: “À custa dessa ajuda a pessoas, das forma como é feita, está a criar-se na Câmara de São Vicente uma espécie de clientelismo, com um número de empresas, sempre as mesmas, que ganham contratos por ajuste direto para este tipo de trabalho, sem qualquer transparência na aplicação dos dinheiros públicos”.

Modelo “terceiromundista” de “chapéu na mão”

Para o candidato socialista, esta realidade que diz ser aquela vigente, hoje, na condução dos destinos do município de São Vicente, “impede que haja um rasgo de inteligência para levar o concelho para o futuro. Não há uma única medida que vise preparar São Vicente para os anos seguintes, do ponto de vista do crescimento económico que resulte na criação de emprego”. Ricardo Catanho afirma que “enquanto se mantiver este modelo “terceiromundista”, de andar quase de chapéu na mão atrás do presidente para dar um favor, não podemos avançar. Quando o poder é pelo poder, nada feito”.

Albuquerque deu apoio a Garcês sem ouvir a concelhia. Foi uma negociata”

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“Miguel Albuquerque decidiu apoiar Garcês sem ouvir a concelhia do PSD, ao contrário do que veio dizer. Foi uma negociata entre o José António Garcês e o líder do partido”- Foto Rui Marote

O candidato do PS afirma estar “sem truques na manga” quando questionado sobre o retrato de consenso que São Vicente mostra à volta de José António Garcês, e o discurso que o PS faz relativamente àquilo que diz ser a realidade. Pode parecer que não “joga” um com o outro. Aponta o dedo ao CDS, por ter apoiado Garcês há quatro anos pelo simples facto de “não ter candidato próprio para apresentar”, e revela que “uma das figuras do CDS/PP de São Vicente está agora na nossa lista, é o número três”. Quanto ao PSD, a “jota está com Garcês”, mas a faixa crítica social democrata, que defendia um candidato próprio, está contra. E o líder Miguel Albuquerque decidiu apoiar Garcês sem ouvir a concelhia, ao contrário do que veio dizer. Foi uma negociata entre o José António Garcês e o líder do partido, talvez a preparar no futuro do presidente da Câmara”.

Houve muita gente que se desfiliou do PSD e acreditou na palavra de Garcês

Ricardo Catanho tem uma explicação para o facto do atual presidente não assumir uma candidatura pelo PSD: “ Se já existe alguma dificuldade em perceber este apoio do PSD, então candidatando-se pelo partido as dúvidas seriam ainda maiores. Houve muita gente que se desfiliou do PSD acreditando na palavra de José António Garces, para que este, agora, até vá discursar na sede do partido. Com o PS, de quem teve apoio para ser eleito, nunca teve esta ligação”.

Setor privado será “motor” da criação de emprego

Com o “retrato” feito pela visão socialista, no que toca à gestão autárquica, a orientação eleitoral e a respetiva estratégia assume relevância muito particular. O objetivo, diz Ricardo Catanho, está direcionado para a juventude. “Um dos grandes problemas dos concelhos a norte, mas do caso específico de São Vicente, tem a ver com o êxodo rural, a desertificação acentuada que temos sentido ao longo dos últimos anos, o que é visível, sem dificuldade, em qualquer estatística. O que queremos é estabelecer um plano de ação para o desenvolvimento económico do concelho, onde o principal motor de criação de emprego seja o setor privado”.

São Vicente centro do “turismo verde”

Neste enquadramento, a aposta incide sobre “o turismo verde, de natureza, com São Vicente a assumir-se como uma nova centralidade em termos de Região da Madeira. São Vicente confronta com seis concelhos e a ideia assenta no levantamento de todos os caminhos que ligavam a esses concelhos e algumas freguesias, fazer a recuperação, balizar numa lógica de visão turística, com informação histórica que vá ao encontro de locais e estrangeiros, contribuindo para que as pessoas venham visitar o concelho”.

Preço das uvas ao produtor não aumenta há trinta anos

Outro ponto forte da campanha socialista prende-se com a agricultura. E aqui vai direto ao Governo Regional: “Temos que batalhar forte junto do secretário que tutela o setor, que é de São Vicente, alertando-o para o facto de o preço das uvas, pago ao produtor, não é aumentado há quase trinta anos, ao contrário do custo de produção que aumenta constantemente. E se não for a entreajuda dos agricultores, este setor tem morte anunciada. Temos que fazer pressão junto do Governo Regional para que os apoios não se fiquem pelas casas de vinho ou no Funchal”.

Incubadora de empresas

Uma incubadora de empresas, que vá ao encontro do arranque empresarial dos jovens, faz parte do conjunto de propostas socialistas para o concelho. “A criação de um espaço/sede, onde essas empresas possam exercer a sua atividade, com isenções e apoios nos primeiros anos, envolvendo acompanhamento técnico que vise o aproveitamento dos fundos disponíveis, apoio de um contabilista e um elemento de ligação com a Câmara, para as questões burocráticas, permitirá ir ao encontro do empreendedorismo jovem, porque é isso que valorizará o futuro”.

Campanha fechada ao domingo e sem comícios para não gastar muito

A campanha socialista em São Vicente vai apostar no contacto direto. Mas há dados novos que Ricardo Catanho faz questão de salientar: “Não vamos estar nas igrejas, não vamos importunar as pessoas ao domingo, é dia de descanso, não vamos fazer comícios porque não há necessidade de termos grandes despesas, vamos tentar ser originais, chamando a atenção das pessoas”.