El-Rei Junot – a biografia escrita por Raul Brandão

Quis Junot ser rei de Portugal e, efectivamente, governou o país, dominou a privilegiada casta dirigente da tristemente abandonada nação do Príncipe-Regente, o futuro e infeliz D. João VI, mas o facto é que o bravo general francês não logrou o seu vaidoso objectivo de ascender à realeza.

O livro de Raul Brandão com aquele título é, na verdade, a crónica histórica da 1ª invasão francesa, nos anos de 1807-1808. Não é de leitura fácil o livro que Raul Brandão deixou pronto em 1912, pois a profundidade do estudo histórico surge em várias vertentes, a partir do tronco comum dos 10 capítulos que enformam o teor principal do estudo, depois alimentado pela colecção de outros testemunhos, apresentados em compartimentos diversificados, que nos dão uma completa panorâmica de criteriosa seriedade do trabalho histórico. Mas isso traz dificuldades ao leitor, sobretudo com as extensas notas ao texto principal, em espaço próprio, mas fugindo obviamente à comodidade do registo em rodapé.

Todavia, para além disto, o leitor não pode deixar de se maravilhar com a riqueza da prosa em que a magnífica caracterização pelo adjectivo resulta numa força e num sabor muito próprios, que nos estimulam. Detemo-nos muitas vezes a reler com prazer essa prosa magnífica, admirando a escrita rápida, irónica, dramática e fluente, mas de uma caracterização concisa na sua adjectivação magistral. Eu, pelo menos, sinto isso e vi-me a reler partes do texto de Raul Brandão como se fossem poemas.

Outra vertente que nos empolga é a tradução do pulsar corajoso na revolta permanente e persistente do povo português, o povo pobre, desamparado e abandonado, perante os roubos e crimes dos invasores franceses. Curiosamente, Napoleão, ao fomentar a união franco-espanhola para melhor esfrangalhar e retalhar o abandonado Portugal, veio trazer ao povo português revoltado a inesperada ajuda da imigração de nuestros hermanos, refugiados em Portugal, quando fugidos às atrocidades francesas cometidas em Espanha. A revolta do português pobre é também a do espanhol ressentido.

Esta tumultuosa e indómita rebeldia do humilhado povo atinge uma força quase épica e frustra os intentos de Junot, não só quanto aos seus anseios de obtenção de uma coroa, mas até quanto à sua posição de domínio do pequeno Portugal, obrigando os franceses a uma retirada, com a anuência dos ingleses, que garantem a completa impunidade aos invasores, através da vergonhosa Convenção de Sintra.

De certo modo parece-me ver uma certa analogia entre os dramas dos princípios do século XIX, em Portugal, e a ainda recente intromissão da Troika nesta desunida Europa, com a humilhação aceite por este pequeno país, com um seu governo, nessa altura, submisso aos senhores da Europa, sem independência nem coragem, antes marcado por incompreensível subserviência. Sem uma tumultuosa revolução, os portugueses escolheram, depois, democraticamente, outros governantes através do recurso a uma nova maioria e o horizonte futuro, hoje, apresenta-se mais desanuviado e colorido por alguma esperança.