“Presença Feminina” aposta na prevenção junto dos jovens como forma de reduzir a violência doméstica

Presença Feminina diretora
Helena Pestana, à direita, diretora da Associação Presença Feminina, e Silvana Freitas, psicóloga da instituição, apontam para a prevenção junto dos jovens como nota dominante da luta contra a violência doméstica.

“Entre marido e mulher não se mete a colher”. Esta expressão popular sempre esteve subjacente no comportamento da sociedade portuguesa, assente num conservadorismo enraizado na cultura de um povo, mas que percorreu anos a fio, décadas infindáveis, até aos dias de hoje, de modernidade em tanto do que vivemos, mas onde ainda perdura a idéia fixa, que sobreviveu aos tempos, de não meter a colher entre marido e mulher, significando com isso que nos deixamos levar por uma frase que parece fazer lei, para olhar para o lado e ignorar o gravíssimo problema da violência doméstica. A pretexto de um princípio aparentemente nobre, de deixar a gestão para quem está dentro das quatro paredes, a sociedade permitiu tudo, de tal forma que essa passividade foi como uma “luz verde” para comportamentos que acabaram, em muitos casos, com mortes. O caso recente, ocorrido no Funchal, na zona da Ajuda, onde um homem esfaqueou até à morte a ex-companheira, uma advogada de 36 anos, foi rodeado dos contornos habituais, nestes casos, de um sentimento que se apossa do agressor e de indícios que são, por norma, secundarizados na esperança de que tudo não passe de uma instabilidade momentânea. Essa secundarização pode custar vidas. E tem custado.

Um problema de mentalidades

Silvana Freitas, psicóloga da Associação Presença Feminina, a única organização que se dedica, especificamente, à problemática da violência doméstica na Madeira, com predominância da mulher, mas com casos, poucos, mas existentes, de homens também alvo de violência sobretudo psicológica, afirma, sem reservas, que aquela expressão popular mantém-se viva na atualidade. Reconhece evolução em muitos domínios dessa realidade, desde a prevenção à preparação das forças policiais, mas também afirma que muitos ainda têm essa frase bem presente para considerar que, para lá da porta de entrada das casas, não devemos interferir. Um problema que se prende com as mentalidades.

Desde que a violência contra as mulheres foi considerada crime público, a situação sofreu uma mudança substancial, uma vez que qualquer cidadão pode apresentar queixa, que anteriormente estava confinada à decisão da própria vítima, de quem se apossava o medo, de tal modo que o processo dificilmente iria para a frente.

A informação é determinante

A psicóloga diz que o figurino dos casos que aparecem na instituição não é diferente do padrão de violência sobre a mulher registado no todo nacional ou até de outros países, referindo a circunstancia do medo estar, ainda assim e apesar de todos os passos positivos já dados, bem presente na mente das vítimas. “O que lhes dizemos é que há sempre risco em qualquer situação. O medo é natural, até pode ser protetor porque uma pessoa com medo está mais atenta aos perigos, mas o risco de morrer saindo da relação, é o mesmo a que se submete se ficar na relação”.

Helena Pestana, a presidente da Associação Presença Feminina, uma instituição que fica situada no Bairro de Santo Amaro e existe desde 1995, diz mesmo que os casos de morte, como aquele que ocorreu recentemente na Madeira, podem ser inibidores relativamente às queixas que muitas das vítimas possam vir a fazer nos próximos tempos, “mas também pode funcionar ao contrário e incentivar as vítimas a se queixarem”. Refere que, nestes casos, a informação é determinante e as vítimas devem saber que têm apoio se saírem da relação. Ninguém precisa manter-se numa relação conflituosa, uma vez que temos instituições que apoiam e mecanismos que podem ajudar a preparar o futuro”.

Garantir uma estratégia de segurança

Presença Feminina sede
A sede da Associação Presença Feminina fica situada no Complexo Habitacional de Santo Amaro, Bloco 4, Loja 7.

Aquela responsável pela direção da associação é de opinião que, só com muita informação e sensibilização, as vítimas podem superar o tal medo. “O simples facto de se dirigirem a um gabinete da Segurança Social, à nossa instituição ou à polícia, faz com que as pessoas fiquem melhor informadas, não só relativamente aos apoios, mas também aos factores de risco”.

A psicóloga Silvana Freitas sublinha que “o abandono da relação é, na realidade, um factor acrescido de risco, uma vez que é aí que normalmente a violência sofre um agravamento. Alertamos sempre para esses riscos e procuramos dar todo o apoio tendente a oferecer alguma segurança às vítimas para que possam tomar uma decisão”. Diz ser importante garantir uma estratégia de segurança, que passa, no caso de se manter na relação, por evitar determinadas zonas da casa, em caso de agressão, ir para a zona da janela, como pedir ajuda, como preparar por exemplo saídas à pressa, no caso de serem obrigadas a isso, levando alguma roupa e o que for estritamente necessário, dentro das circunstâncias. No caso de haver maior risco, encaminhamos a situação para o desenrolar do processo”.

Não podemos mandar as pessoas eternamente para a prisão”

Quando abordamos a questão do ponto de vista da alteração legislativa, visando uma penalização mais rigorosa, Helena Pestana e Silvana Freitas são unânimes em referir não ser esse o caminho a seguir. A responsável da direção diz mesmo que o problema reside “na forma como a lei é implementada, havendo situações graves que ocorrem depois dos indivíduos terem saído da prisão. O que vamos fazer? Não podemos mandar as pessoas eternamente para a prisão e os problemas vão continuar a acontecer. É preciso apostar na prevenção e encontrar uma forma de cortar o ciclo, objetivo que passa pela Educação e pelos valores”.

Esta será, porventura, a fórmula mágica, se é que podemos colocar a situação nestes termos, para progressivamente ir reduzindo as situações de violência sobre as mulheres. Mas um outro indicador acaba por constituir obstáculo a esse trabalho educativo, incidindo nas gerações mais novas, onde vários estudos dão conta de um aumento da violência ainda na fase de namoro.

Helena Pestana está consciente dessa realidade e dos problemas que envolvem um trabalho para reverter a situação. Afirma que “a ação deve incidir mais junto dos jovens e junto das famílias mais novas”, dando referência o facto de estar em curso uma campanha, no âmbito do Plano Regional Contra a Violência Doméstica, que tem a Associação como parceira, e que tem levado a associação às escolas, onde “procuramos dar informação sobre a situação e sobre a necessidade de fomentar a dinâmica familiar. A campanha, integrada no Plano Regional, assenta precisamente na componente violência no namoro”.

Sensibilizar os jovens para o que eles pensam ser normal

Silvana Freitas garante ser importante sensibilizar os jovens para o que parece por vezes normal, à luz do que eles analisam, do ponto de vista dos jovens, tanto do agressor como da vítima, um puxão de cabelo ou uma bofetada, mas que não tem nada de normalidade”, ao mesmo tempo que Helena Pestana refere o facto de muitas mulheres que procuram a instituição, referirem precisamente que a violência “já ocorria na fase de namoro, mas atribuíram ao ciúme e até acharem isso positivo, porque entendiam que essa era uma demonstração de amor”.

Dados de 2016 e 2017

Naquilo que tem a ver com os números que figuram nos registos da Associação Presença Feminina, temos que, em 2016, o apoio foi prestado a 115 pessoas vítimas de violência doméstica, 45 das quais constituem a primeira vez que recorrem ao apoio da associação, que por outro lado registou 740 atendimentos.

Nos primeiros três meses de 2017, estamos em presença de 60 casos, 16 dos quais pela primeira vez, o que corresponde a 309 atendimentos.

Comparativamente, temos que em 2014, 2015 e 2016 registaram-se 130, 132 e 115 vítimas de violência doméstica, respetivamente, 77, 72 e 45 pela primeira vez.

Paralelamente a estes números, relativos ao que é mais visível no papel desempenhado por esta associação, dando ênfase ao apoio às vítimas do crime público de violência doméstica, fornecendo gratuitamente apoio jurídico, psicológico e social e casa de abrigo, que acolhe temporariamente vítimas, existe uma outra vertente, igualmente importante, relacionada com o apoio social, sendo que em 2016 foram abrangidas 78 pessoas, resultando em 292 atendimentos.

Também há homens vítimas de violência

Não obstante ser mais frequente a violência doméstica em que o agressor é homem e a vítima mulher, a verdade é que os dados estatísticos da associação Presença Feminina registam alguns casos em que o homem é a vítima, sobretudo através de violência psicológica, como refere a psicóloga Silvana Freitas. De 2009 a 2016 verificaram-se um total de 20 casos nesse contexto em que a mulher é a agressora, contra 998 casos em que o agressor é homem.

Os contactos

Quem pretender estabelecer contacto tendo em vista a procura de informação ou mesmo apoio, poderá fazê-lo pelo telefone 291759777 e telemóvel 968084407 da Associação Presença Feminina, 291205135 da Equipa de Apoio à Vítima de Violência Doméstica (Instituto de Segurança Social da Madeira), 112 da Polícia de Segurança Pública e 144 da Linha de Emergência Social.

A Associação Presença Feminina está situada no complexo habitacional de Santo Amaro II, Bloco 4, loja 7, com o horário de funcionamento de segunda a sexta das 9 às 12.30 e das 14 às 18 horas. O site da instituição tem o seguinte endereço: www.apfeminina.wix.com/inicio. O mail é apfeminina1@sapo.pt e a associação tem uma página no facebook.