Contestação na hotelaria: há 40 anos, o Funchal viveu momentos dramáticos com uma grande carga policial

Fotos Rui Marote

O Sindicato da Hotelaria assinala hoje uma data que considera histórica: a do dia em que “repôs a democracia no seu seio”, informou um comunicado já divulgado ontem pelo FN.

Mas a que acontecimentos se reporta? As novas gerações certamente não se lembrarão, mas há quatro décadas o Funchal foi palco de uma tristíssima actuação policial, daquelas dignas de envergonhar a Polícia de Segurança Pública. É preciso, claro, colocar as coisas no seu devido contexto. Estava-se então em pleno Processo Revolucionário em Curso, o chamado PREC, ainda no rescaldo da Revolução do 25 de Abril de 1974. Os ânimos políticos, da extrema esquerda aos sectores mais conservadores da direita, andavam exaltados na Madeira de então e realizava-se uma luta política na qual se confundiam igualmente as reivindicações dos trabalhadores e dos seus direitos, face a um patronato visto generalizadamente como explorador e conotado com o antigo regime. Quanto à Polícia de Segurança Pública, então dirigida na Madeira por Gil Nunes, era vista como defensora dos independentistas da FLAMA, e autora de perseguições aos dirigentes e militantes de esquerda.

Foi a esse papel, aliás, que a força policial se prestou na data que o Sindicato de Hotelaria hoje assinala, nos acontecimentos de há quarenta anos. O presidente do Sindicato era na altura Ernesto Gomes, contestado pelos trabalhadores, sob acusações de estar dominado pelos interesses dos patrões. Um grupo de trabalhadores, entre os quais o hoje bem conhecido dirigente comunista Leonel Nunes, na altura líder da JS-Madeira, ocupou as instalações da estrutura sindical, então situada na Rua das Hortas. A PSP interveio e expulsou os ocupantes, mas tal gerou uma manifestação na Avenida Zarco, junto ao local onde hoje está o edifício do Governo (era então a Junta Geral).

Conclusão: perante os temores de invasão do edifício, surge um autêntico batalhão da polícia de choque que desmobiliza todos os que se encontram no local à bastonada, independentemente de se tratar de manifestantes, transeuntes, homens, mulheres, velhos ou até turistas. Os polícias, inclusive, invadem o edifício dos Correios e agridem os clientes. A pancadaria estende-se até à placa central da Avenida Arriaga e demais ruas. A polícia espancou muita gente, mas no meio da confusão houve até alguns elementos policiais que se deram mal ao baterem indiscriminadamente: um episódio que ficou na história popular foi o de um conhecido professor de artes marciais que se defendeu galhardamente ao ser agredido sem razão, dando uma “real pancadaria” em alguns dos elementos policiais.

Era nesta zona da rua das Hortas que ficavam as antigas instalações do sindicato da Hotelaria… e foi aqui que começou a confusão

No meio da confusão, os manifestantes enfurecidos acabaram por destruir o automóvel do seu contestado dirigente sindical, Ernesto Gomes. Já o carro de Leonel Nunes, esse, acabaria por ser destruído mais tarde num atentado da FLAMA. Estas tristes ocorrências são descritas no livro de Luís Calisto, “Achas na Autonomia”, e encontram-se também adequadamente explanadas no seu blogue, ‘Fénix do Atlântico’, fontes das quais nos socorremos para rememorar estes eventos. Já agora, recordemos que houve inclusive jornalistas que tiveram de fugir para não serem também agredidos pela Polícia, nesta sua intervenção com desmesurado uso da força. Felizmente que, de modo geral, as suas tácticas de contenção de distúrbios na via pública evoluíram bastante desde então, de modo geral, da pancadaria indiscriminada para as actuações mais estratégicas e localizadas… mas naquele tempo era assim.

Hoje, o Sindicato da Hotelaria assinala as conquistas daquela data – na qual, do seu ponto de vista, os trabalhadores passaram efectivamente a mandar no seu próprio sindicato – com um jantar a partir das 19h30 na Estalagem da Encumeada.