Notas da Índia: Chidambaram, cidade sagrada

Autocarro pejado de gente... Há pessoas que prosseguem viagem penduradas do lado de fora
Autocarro pejado de gente… Há pessoas que prosseguem viagem penduradas do lado de fora

Rui Marote (texto e fotos)

Kanschipuram-Chidambaram foi a etapa mais longa, com prémio de montanha. Só há um autocarro por dia a ligar as duas cidades. Esta é considerada a cidade sagrada, onde o deus Xiva executou a dança cósmica. Os preparativos para viagem começaram de véspera. Uma visita à central de autocarros, para confirmar saída e o posicionamento.

O bilheteiro nem tem espaço para mexer-se
O bilheteiro nem tem espaço para mexer-se

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No hotel, como saio bem cedo, pedi para confeccionarrem duas sanduíches de omelete, uma vez que a essa hora a sala dos pequenos almoços se encontra ainda encerrada. Tudo isto recorda-me as excursões paroquiais do padre Lira no Socorro, preparar o farnel de véspera. Em Kanschipuram, às cinco horas da manhã, o sol já nasceu, dia pleno. Deixei o hotel às seis horas, debaixo de um silêncio absoluto, sem viv’alma.

Elefante abençoa com a tromba
Elefante abençoa com a tromba

Logo a saída, bastou levantar a mão e já tinha um Tuk-tuk, transporte para a rodoviária. Ao chegar, voltei a informar-me da hora de saída e local, para tirar dúvidas… Tudo correcto, o autocarro já lá estava, embora as placas estejam, como sempre, em língua hindu… Com uma hora de antecedência dei entrada no veiculo, coloquei a mala na porta-bagageira por cima do meu assento e exclamei: Sou o primeiro! Afinal, no interior do autocarro, a dormir nos assentos, encontravam-se o motorista e o bilheteiro numa profunda soneca.

A benção...
A benção…

Vim para o exterior e num quiosque a poucos metros saboreei um chá com leite, tipo meio café do Vera Cruz, bem fresquinho. Uma curiosidade: para adoçar não existe uma colher. Essa operação é feita deslocando o chá de um copo para outro três vezes, a uma altura de trinta centímetros, sem que haja a perda de uma gota.
Entretanto, muito antes da hora da partida, o autocarro já rebentava pelas costuras. Até já existiam pessoas penduradas nas portas.

Gorupa - Templo de Nataraja
Gorupa – Templo de Nataraja

Como sempre vinha sentado no banco junto da saída, no meu colo caíam as bolsas das mulheres que estavam nas escadas e que teriam de ter as mãos livres para se segurar.
Nem sardinha em lata poderia ser uma metáfora para isto, porque se assim fosse, a sardinha ficava imprópria para consumo. O bilheteiro ficou bloqueado no meio do autocarro… nem para trás, nem para a frente.

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Valeu-lhe a entreaajuda: foi um vaivém de dinheiro, passando de mão em mão com um retorno do troco e dos bilhetes. Não resisti em registar esse aglomerado de pessoas e o bilheteiro, imagem conseguida de costas, uma vez que não tinha espaço para movimentos. Foram assim os primeiros vinte quilómetros! Felizmente que as pessoas foram saindo entretanto. Mas a normalidade, se assim lhe podemos chamar, reinou por pouco tempo. Em breve verificou-se a entrada de vendedores ambulantes com pipocas, caju, amendoim, águas, picolé, uma variedade de guloseimas… Os tentadores deixaram o autocarro na paragem seguinte.

Dança cósmica
Dança cósmica

Durante cinco horas escutei canções indianas alto e bom som, dando a sensação de que estava numa feira de diversões… como se isso não bastasse, o concerto de buzinadelas do motorista era constante.

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As danças

Cheguei a Chidambaram totalmente escadeirado, como se diz em bom madeirense… Novamente um Tuk-tuk para o hotel não muito distante. Ao chegar, verifiquei que as gorupas do Templo de Nataraja,  motivo da minha deslocação, eram vizinhas do hotel. Óptimo: já saio descalço, não necessito tirar as botas, o que é sempre uma seca… Toca a renovar as forças, banho, roupa fresca e vamos à luta, pronto para “dar ao gatilho” na máquina fotográfica.

Gorupas de Nataraja
Gorupas de Nataraja

Estas gorupas são as mais bonitas que eu já visitei, bem conservadas e de um colorido espectacular. São a principal atracção da cidade erguida no século IX em honra do deus padroeiro Xiva com o Nataraja. Os principais traços do templo são o altar sagrado em forma de cabana coberto de telhado dourado (não é permitido fotografar), e o Tanque de Shivaganga, além de quatro coloridas gorupas. A mais interessante é a gorupa oriental, considerada uma verdadeira enciclopédia do Bharat Natyam, com relevos dos 108 movimentos das mãos e dos pés desta dança cósmica.

rituais
Rituais

O recinto central é o mais sagrado do complexo; abriga a Chit Sabha ,ou Chitambalam (sala da felicidade) que deu o nome à cidade. Visitámos a sala dourada onde Xiva terá executado a sua afamada dança cósmica.

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Amanhã iremos cumprir mais uma etapa com destino a Tanjavur rica em palácios considerada a cidade “Malga de arroz da zona de Tamil Nadu”.

Tanque Shivaganga
Tanque Shivaganga