A legitimidade do Funchal ser Cidade Património Mundial

 

icon-rui-nepomuceno-opiniao-forum-fn-cApós a redescoberta da Madeira em 1419, o povoamento organizado do arquipélago e do Funchal foi encetado em 1425, e poucas décadas depois, devido sobretudo ao grande desenvolvimento açucareiro, a cidade conheceu um amplo crescimento no sentido Leste-Oeste, espraiando-se deste o primitivo burgo de Santa Maria Maior até abarcar todo o espaço entre as três ribeiras que desaguam na sua larga e acolhedora baía.

Esta monumental expansão do Funchal foi reconhecida por D. Manuel I que por alvará de 17 de Agosto de 1508 concedeu que “a Câmara Municipal do concelho fosse governada pela mesma maneira que se rege a de Lisboa”; e pouco  depois, por Carta Régia de 21 de  Agosto de 1508 , elevou a vila do Funchal ao estatuto de cidade, “com todos os privilégios das demais cidades do Reino”.

Aproveitando a decisão e a vontade de realizar vastas obras de recuperação urbana em consequência dos recentes incêndios, e para comemorar condignamente os 600 anos da descoberta do Arquipélago da Madeira que se avizinham,  somos de opinião que os madeirenses deviam desenvolver diversas ações e iniciativas para reivindicar e demonstrar que tal como aconteceu com Angra do Heroísmo, que recentemente se geminou com a nossa capital, a zona histórica do Funchal desfruta de todas as condições monumentais e de todos os pergaminhos históricos dum passado grandioso digno de ser reconhecido pela UNESCO como Cidade Património da Humanidade.

Desde logo, foi na capital funchalense que se desencadeou a fase inicial do fenómeno da globalização, sendo que durante séculos o Funchal foi o principal ancoradouro do Atlântico, além de ter sido uma das primeiras cidades que os europeus construíram para além da Europa.

De salientar ainda que nos séculos XV e XVI o porto do Funchal desempenhou um papel primordial na expansão e nas grandes descobertas ultramarinas nacionaos, pois foi a charneira e a porta de saída nas rotas e nos contactos  da Europa com a África, América, e Ásia, funcionando como verdadeira ponta de lança dos Descobrimentos portugueses.

Acresce que entre 1519 a 1553, por efeito duma bula de Leão X, o Funchal constituiria a maior Diocese do Mundo, pois foi a cidade onde se instalou a sede da metrópole secular e eclesiástica dos domínios ultramarinos portugueses de toda a África, Brasil e Oriente.

Foi sobretudo no Funchal que os marinheiros e pilotos nacionais desenvolveram as técnicas modernas de navegação em alto mar, que poucas décadas depois possibilitaram que os portugueses fossem o primeiro povo que se implantou nos quatro cantos do Mundo. Por exemplo a influência colhida no Funchal foi determinante para que Cristóvão Colombo atingisse a América, pois foi aqui que aprendeu as novas técnicas de navegar no Atlântico e conviveu com muitos marinheiros que lhe deram preciosas informações sobre os numerosos indícios de terras a Poente, que contribuíram decisivamente para o seu ambicioso projeto de traçar pelo Ocidente o caminho marítimo para a Índia.

Foi também na Madeira, nomeadamente no Funchal, que foram experimentadas e aperfeiçoadas as Capitanias como modelo de organização e gestão territorial, sistema que depois o Poder Central pôs em vigor em todo o Mundo onde se assentaram os portugueses. Seria ainda no Funchal que Diogo de Teives inventou o engenho mecânico movido a água aplicado na indústria do açúcar, que além de aumentar decisivamente a produtividade, permitiu encetar a primeira etapa mundial da Revolução  Industrial, conhecida como a Revolução Ecológica.

Lembrar também que foi no Funchal que a partir do Séc. XVII floresceu pela primeira vez em todo o mundo a exploração do Turismo, numa época e num tempo em que este vocábulo nem era conhecido como símbolo de qualquer atividade económica.

Acresce que em consequência do enriquecimento açucareiro a nobreza do Funchal organizou numerosas expedições para a conquista das praças do Norte de África, onde por vezes as forças do capitão-mor do Funchal só eram excedidas pelo exército real e pelas hostes do Duque de Bragança.

De igual modo foi importante a contribuição do Funchal nas tarefas do descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia, e depois na conquista e governo das feitorias portuguesas no Oriente, onde muitos madeirenses se salientaram, como por exemplo Rodrigues de Noronha, Lopo Mendes de Vasconcelos e o seu filho Manuel de Vasconcelos, António Abreu e Jordão de Freitas.

Por todo o exposto não surpreende que o célebre historiador Charles Verlinden escrevesse que no Séc. XV a Madeira e o porto do Funchal foram “o verdadeiro centro da exploração atlântica portuguesa”; e que o notável historiador Fréderic Mauro acrescentasse que nessa época o porto do Funchal “ pode ser considerado o centro de gravidade do Atlântico”. Por sua vez o famoso historiador Braudel apelidou a Madeira e o Funchal de “Mediterrâneo Atlântico”, acrescentando que “a vida exterior das ilhas e o papel que desempenharam no primeiro plano da história é de uma amplitude que não se esperaria de mundos tão pequenos. A grande história, com efeito, passa frequentemente pelas ilhas, acaso seria mais justo, talvez, dizer que se serve delas”.

Além destes brilhantes pergaminhos históricos, e apesar da devastadora delapidação de muitas preciosidades, a zona histórica do Funchal ainda ostenta um conjunto de monumentos dignos duma Cidade Património Mundial da Humanidade.

Da Arquitetura dos séculos XV e XVI o Funchal possui a magnifica Sé Catedral com o seu fabuloso tecto mudéjar e um grandioso espólio de peças artísticas de todo o género; a Igreja e o Convento de Santa Clara, onde estão sepultados os três primeiros capitães da Capitania do Funchal, e que entre outras preciosidades tem as paredes revestidas de maravilhosos azulejos flamengos e hispano-mouriscos; a Torre do Palácio de São Lourenço, com uma típica cantaria manuelina; Parte do Edifício da Alfândega, onde se ergue um raro tecto de alfarje e belas arcarias e portais góticos; a esplêndida Igreja da Encarnação;  e ainda os soberbos vestígios arqueológicos expostos no Museu da Quinta das Cruzes, nomeadamente pias baptismal, janelas e cantarias da época do esplendor açucareiro.

Da escola Barroca dos séculos XVII e XVIII destacamos a fascinante Igreja do Colégio recheada com ricas decorações de talha dourada e outras preciosidades, e também as igrejas do Carmo, de São Tiago e de São Pedro, algumas capelas, as Fortalezas  da baía do Funchal, o majestoso Forte do Pico, os Palácios de São Lourenço, e os edifícios da atual Câmara do Funchal, do Tribunal de Contas, e  do Tribunal de Família, e ainda numerosas, raras e primorosas obras de arte recolhidas nos muitos museus da cidade.

Do estilo Neoclássico escolhemos a Igreja Inglesa da Sagrada Trindade, e o Palácio que foi do cônsul inglês Henry Veitch onde hoje está instalado o Instituto do Vinho da Madeira.

Do Séc. XIX e do Romantismo invocamos o Teatro Baltazar Dias, o Reid`s Hotel, e as maravilhosas Quintas do Funchal.

Do Séc. XX recordamos o Liceu do Funchal e o Mercado dos Lavradores, ao estilo Arte Deco  e da autoria do arquiteto Edmundo Tavares, alguns exemplares da arquitetura do Estado Novo tais como o Palácio de Justiça, o edifício ao gosto neobarroco do Banco de Portugal; e ainda outros da Arte Modernista como o Casino Park Hotel da autoria do célebre Óscar Nimeyer; e ainda um conjunto de belas esculturas de Francisco Franco, Leopoldo Almeida e Anjos Teixeira.

Por fim, destacamos um amplo conjunto de fontanários espalhados pela cidade; e as residências funchalenses dos séculos XVII e XVIII, com os seus óculos de pedra nas paredes, as torres da avista-navios, varandas de cantaria, o lagar de cocho no rés-do- chão, os mirantes, balcões, casas de prazer e tetos de estuque, de que ainda abundam harmoniosos exemplares na Zona Velha de Santa Maria, e nas Ruas da Alfândega, do Esmeraldo, dos Netos, dos Aranhas, das Mercês, das Pretas, da Mouraria, dos Ferreiros, da Carreira, da Conceição e do Bispo.

Resta lembrar que o Funchal possui um admirável conjunto de preciosos Museus , onde se retrata a sua História de quase seis séculos e os seus costumes; e onde também se poderão contemplar valiosas peças de todos os tipos de Arte.

 

Deste modo seria importante que se encetassem iniciativas envolvendo os madeirenses que amam a sua terra, num ambicioso projeto que una as pessoas dos diversos quadrantes políticos, associações culturais e ambientais, historiadores, arqueólogos, eruditos, empresários e trabalhadores, todos com o objectivo de planificar e executar as tarefas necessárias para a UNESCO classificar a zona histórica do Funchal como Património Mundial da Humanidade.

Esta distinção favoreceria a Humanidade com a preservação e partilha duma cidade que constituiu um dos marcos mais representativo duma época em que os portugueses e os madeirenses deram novos mundos ao mundo; contribuindo ainda para defender e restaurar o nosso precioso património histórico e patrimonial, e sobretudo impedir que essa valiosa herança volte a ser descaracterizada e vandalizada.

Honraríamos também os nossos antepassados que com heroísmo e muito sacrifício realizaram um conjunto de feitos e obras grandiosas que enriqueceram o Funchal e o nosso arquipélago.

Por outro lado, o estatuto de Funchal Património Mundial da Humanidade seria um factor de dinamização da cultura através da realização continua de exposições de arte, da organização de festivais de música de qualidade, e do fomento de colóquios,  e doutras iniciativas nas artes, nas letras e nas ciências, ao serviço da  Madeira e dos madeirenses.

Acresce que expandiria, significativamente, a atividade turística em todas as suas vertentes, e por consequência também determinaria o estímulo da gastronomia regional e o crescimento do artesanato, dos bordados, dos vimes, e doutras atividades económicas de apoio ao Turismo.

Por fim, a dignificante classificação de Funchal Património Mundial da Humanidade potenciaria a auto-estima de todos os madeirenses emigrantes ou residentes no arquipélago, condição importante e imprescindível para garantir um desenvolvimento harmonioso e para vencer muito do desafios do presente e do futuro.