“Já traz o desastre!” – “Bad news, good news”

 

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Um mistério sempre renovado, e sobre o qual não cessam as nossas mais íntimas interrogações, prende-se com o apelo, mais do que tentador, – irrecusável, parece -, que as más notícias exercem sobre os cidadãos, levando-os a quererem, a todo o momento, conhecer ao pormenor, e no pormenor, tudo o que os factos que lhes deram origem evidenciem, descubram, insinuem ou façam suspeitar, bem como das dolorosas consequências a que dão lugar. Tremores de terra, tempestades, incêndios, acidentes de todos os tipos, cheias, trovões, relâmpagos, tsunamis, homicídios, violações, pedofilias, suicídios, crimes passionais, infanticídios, fratricídios, sangue, vísceras, esquartejamentos, eu sei lá, tudo o que, por todas as razões da educação, da sensibilidade, do comedimento, da prudência, do bom senso, deveria colocar os cidadãos em reserva de apreciação e atitude, coloca-os, pelo contrário, sequiosos de detalhes, de opiniões, de informação, de temor, de pânico… E porquê esta apetência? – Responda quem souber; eu não sei, mas tenho a certeza de que ela é, nos seus efeitos, entorpecente, inibidora, fragilizadora, perniciosa.

Na Praça Marquês de Pombal, no Porto, que sempre me recebeu bem, por ser seu vizinho, ao longo de vinte e um anos, nas décadas de 1950 e 1960, passe qualquer imprecisão, eram frequentes os ardinas que, ao longo do dia, de sacola de pano ao ombro, vendiam os jornais que se publicavam, – matutinos, vespertinos, generalistas e desportivos -, apregoando, em muitos casos, o que de mais relevante expressavam as suas manchetes. Infelizmente frequente era o pregão usual e identificativo, acompanhado de “já traz o desastre”*; significava que uma tragédia de grande, – diria, suficiente para o efeito -, dimensão tinha ocorrido, que o jornal já dava conta (e contas) dela, e que os leitores poderiam aceder a informação primeira sobre mais aquele, fosse ele qual fosse, horror. Publicava-se, por vezes, uma segunda tiragem, actualizada, ou não, para, deste modo, satisfazer a curiosidade, porventura mórbida, dos leitores alvo que, então como hoje, muitos eram para assegurar o sucesso editorial. Este é o segredo e o encanto indesvendável de um monumental negócio chamado informação que, habitualmente ainda, colocamos num “departamento” que vulgarmente identificamos como sendo a “comunicação social”.
A informação política, a viver das tiragens, dos shares, das audiências, e consciente do que melhor vende, nos tabloides, mas não só, de há muito que explora o filão e, então, não há notícias agradáveis, boas, esperançosas, promissoras e apaziguadoras; elas apontam, normalmente à catástrofe, ao inelutável, ao irrecuperável, ao medo, à vontade de punição, – quantas vezes sem culpa -, à expiação, ao purgatório e, mesmo, ao inferno. Mesmo quando parece promoverem, num novo registo, face às questões abordadas, um tom mais laudatório, reconhecido e reconhecível, estribado em dados seguros e fiáveis, sobre um dos inúmeros assuntos que povoam as nossas ansiedades, preocupações e angustias, não se eximem de acrescentar as razões (?) que, para os jornalistas, comentadores, analistas e outras espécies afins, possam comprometer a leitura mais despreocupada e optimista do que poderia parecer de bom augúrio e, com isso, garantir que a notícia não cumpre o que lhe devia estar, obrigatoriamente, subjacente, na lógica da informação decente e digna desse nome. Os cidadãos, “empurrados” por estas práticas e por estes ocultos desígnios, reagem como seria, face aos hábitos criados, expectável que reagissem: com desconfiança, com reserva, com natural descrença e, portanto, pouco habilitados a encararem como factores de reforço de confiança tudo o que, afinal, lhes é vendido com ostensiva suspeita, com intencional e perversa redacção, com duvidosos critérios de paginação e alinhamento, com suspeitíssimos comprometimentos programáticos, com inconfessáveis cumplicidades ideológicas, com indisfarçáveis dependências e submissões que adulteram a informação, retiram-lhe credibilidade e colocam-na ao serviço de interesses pouco, ou nada, transparentes e, raramente, conjugáveis com os da maioria dos cidadãos.
Não era mau que, em sociedades cada vez mais informadas, com maior volume de informação, com mais capacidade de escrutínio e com grandes e fáceis acessibilidades aos megabytes de notícias produzidas, todos nós, cidadãos, fossemos mais exigentes, mais rigorosos, mais atentos e mais perseverantes na defesa de nós próprios e da nossa inteligência e capacidade de discernimento, dos modelos de vida que escolhemos e, sobretudo, da democracia, da liberdade e do Estado de Direito de quem se exige, sem tergiversar, verdade, verdade e verdade, por que a verdade não se ilude, não se comenta, não se reduz: é-o.
Usa-se, quando nos perguntam por alguém ausente, de quem se não tem notícias, dizer-se, tranquilizadoramente, ou talvez não: “no news, good news”; há alguns, bastantes, de um jornalista amigo a quem, por uma qualquer razão de que me não recordo, respondi naqueles termos, obtive glosando-os, o seguinte comentário que, para eles, jornalistas, não era bem assim, dizia-se:“bad news, good news”…
Resta saber, para que saibamos com o que contamos, onde termina, por parte da comunicação social, a insaciável vontade de vender o caos, nas suas múltiplas formas, e onde começa a “militância” às ordens de poderes fácticos, de programadas agendas ideológicas, de poderosos e inconfessáveis interesses, de tentaculares e sombrias organizações pouco dadas à democracia e à defesa dos interesses dos cidadãos, de obscuros e desregrados objectivos de oligarquias plutocráticas.
Era isto, tudo isto, o que precisávamos de saber.
Nota:
*Salvo quando, sempre aos domingos, com graça, o utilíssimo vendedor, apresentando aos potenciais clientes a última edição do vespertino já há muito desaparecido, “Norte Desportivo”, “olh’ó norte, desportivo norte”, e referindo-se a uma não infrequente, e para mim decepcionante, derrota do FCP com o Benfica, nas Antas, acrescentava: “já traz o desastre!”.