A tradição cumpriu-se. Pelo menos, parcialmente. Este ano, largas centenas de madeirenses, residentes e emigrantes, além de turistas, voltaram a subir ao Monte para a missa e procissão em honra da Virgem, padroeira da Diocese e da cidade do Funchal.
O arraial, esse, não aconteceu. Nem durante as novenas, nem na véspera, nem hoje. Devido à catástrofe dos incêndios, a solenidade religiosa da Assunção de Nossa Senhora ao Céu ganhou um sentido mais profundo nos devotos, visível nos rostos, nas orações e nas conversas que se ouviam um pouco por todo o recinto adjacente à Igreja do Monte.
A contrastar com a pouca afluência dos dias anteriores, as cerimónias que decorreram ao longo de toda a manhã contaram com uma moldura humana tocante. A devoção, a tristeza de uns, e as graças alcançadas por outros, faziam-se sentir por entre a multidão de fiéis.
No Largo da Fonte, este ano mais sóbrio e contido pela ausência do arraial, a fé falava mais fundo, junto ao altar das velas. Círios e artefactos de cera davam expressão ao agradecimento da alma humana pela bondade divina. Promessas pela obtenção das graças obtidas: a paz na Venezuela, o nascimento da neta, a cura de uma doença… Preces que encontram consolo numa dimensão superior.
Olhos marejados de lágrimas a cada vez que se pergunta o sentido da vinda até Nossa senhora do Monte, com a desgraça dos incêndios tão recente.
“Graças a Deus, não nos aconteceu nada. Mas estamos aqui pelas outras pessoas que foram atingidas. Nós, madeirenses, somos um só, neste momento de grande tristeza”.
Lá dentro, no templo, a tragédia é tema incontornável na homilia do Bispo do Funchal. “Perante a vaga de incêndios dos últimos dias, não podemos deixar de lembrar os que morreram e manifestar a solidariedade a quantos sofreram momentos de grande angústia e aflição, em especial os que perderam as suas casas e todos os seus bens”, sublinha D. António Carrilho. “Jamais esqueceremos também os gestos de solidariedade e a generosidade de tantos familiares, vizinhos e profissionais, o acolhimento e apoio prestado por tantas instituições; jamais esqueceremos ainda a capacidade de reagir perante situações inesperadas e tão difíceis, com a força e a coragem de querer começar a olhar em frente e projetar o futuro”.
Finda a eucaristia, é a vez da procissão. O ambiente é solene, as entidades civis e militares acompanham o ato de semblante carregado. O elenco governativo está completo, à exceção da secretária regional do Ambiente.
Os devotos curvam-se perante a pequenina imagem de Nossa Senhora do Monte que segue no andor transportado por carreiros. Alguns populares cumprimentam as autoridades à passagem. Sabe-se que algumas figuras representativas da vida pública interromperam as férias às primeiras horas da tragédia para estar na Madeira a acompanhar a situação. É o caso do presidente da Assembleia Legislativa Regional, Tranquada Gomes. A maioria dos fiéis vive, porém, o momento em silêncio.
A Festa de Nossa Senhora do Monte não contou este ano com a vertente do arraial tão típico das gentes da ilha. As novenas, a véspera e o dia recolheram-se portas adentro, na igreja. Algo que se repetiu em outras paróquias.
Por volta das 13h00, terminadas as celebrações, a multidão começou a dispersar e a abandonar o local. “Não havia condições para arraiais”. O importante é a fé, garantem.