Liliana Rodrigues desdramatiza Brexit mas admite problemas acrescidos para futuros emigrantes portugueses

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A anuência da maioria dos britânicos à saída da União Europeia, vulgo ‘Brexit’, provocou naturalmente ondas de choque a nível político, económico e social por todo o mundo, e claro que as mesmas também se reflectiram no centro de poder da UE, Bruxelas. Funcionários do parlamento europeu deram-nos conta da azáfama e da preocupação que o Brexit gerou, chegando mesmo um deles a usar a expressão de que “ficou tudo em polvorosa”. De repente, todas as atenções convergiram para a capital belga, com os jornalistas a tentarem obter reacções aos mais diversos níveis.

O Funchal Notícias também não foi estranho a essa pretensão e procurou de imediato auscultar a eurodeputada madeirense Liliana Rodrigues,  que, como já reportámos, convidou um grupo de conterrâneos a conhecer ‘in loco’ as instituições europeias, viagem que acompanhamos, como iguais convidados.

Se o Brexit surpreendeu alguns,  que acreditavam ainda anteontem que a Grã-Bretanha, mesmo que por escassa margem, acabaria por escolher permanecer na UE, Liliana Rodrigues garante que não se deixou iludir. “Preparámo-nos para os dois cenários,  e eu tinha naturalmente de ser optimista, mas tenho os pés bem assentes no chão,  e era visível o desânimo dos colegas ingleses, particlaramente os trabalhistas,  com quem trabalho mais. Desânimo que já era visível durante a campanha. Mas eles fizeram tudo ao seu alcance para impedir este resultado”, diz-nos.

A eurodeputada admite que a saída da Grã-Bretanha da UE terá, necessariamente, algum impacto na emigração portuguesa. “Haverá impactos económicos em Portugal, naturalmente.  No caso dos nossos emigrantes portugueses no Reino Unido, eles estão protegidos,  não há nenhum tipo de alarmismo quanto a isso”, tranquiliza. Mas a parlamentar europeia sabe que, quanto à futura emigração,  as regras serão outras e provavelmente bem mais restritivas.  Para a Madeira, isto não é questão de pouca monta, já que a Grã-Bretanha tem recebido tanto mão-de-obra madeirense qualificada,  como é o caso dos enfermeiros,  como não qualificada. Aliás, para muitas pessoas com menos qualificações, a Inglaterra tem sido hoje em dia uma saída e um porto de abrigo para a procura de emprego que não existe na Região Autónoma nem no continente. Agora,  as coisas mudam e, para as novas gerações em dificuldades, tudo fica ainda mais complicado.

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A nossa interlocutora tem dificuldade em perceber esta atitude em relação aos novos imigrantes, que choca até muitos dos próprios britânicos. A Inglaterra,  sublinha,  é hoje o que é graças à imigração. “Basta ver o que era no século XVIII e XIX. Os italianos foram uma força fundamental em Inglaterra. No caso da nossa emigração,  os nossos emigrantes estão muito bem integrados no Reino Unido, são pessoas trabalhadoras,  honestas,  com muito boa imagem. Estive lá durante a campanha a favor da manutenção do Reino Unido na UE e eram todos muito favoráveis a essa posição. Agora,  há para mim um impacto muito pior, o cultural, e mesmo em termos de representação social. A ideia de ter uma Europa unida sem o Reino Unido é estranha. É como não termos uma França,  uma Alemanha. É como uma parte de um corpo que sai”, confessa.

Mas, por outro lado, insiste em desdramatizar: não se trata, opina, de nenhuma tragédia. “Devemos ficar tranquilos”. Contudo, reconhece o que mais lhe custa: que quem mais ganha com isto – e neste momento não cabem em si de contentes – é a extrema direita e os ultraconservadores.

A Europa está cada vez mais naa mãos de radicais “que realmente não percebem o que é a solidariedade”, lamenta. A imigração também é isso, é ser solidário com quem precisa. E a Inglaterra, que tanto lutou contra o totalitarismo,  está agora a ceder-lhe.

“O que vamos ter em breve, oxalá que não,  são cada vez mais perspectivas autoritárias do ponto de vista político”. Algo que preocupa bastante a nossa entrevistada é o que acontecerá depois de o primeiro-ministro David Cameron sair,  em Outubro. “Quem se seguirá? Farage? Toda a gente sabe quais são as suas perspectivas. Ainda ontem um deputado inglês dizia-me, em plenário,  que o seu objectivo é destruir a União Europeia. Isto diz muito sobre o estado de espírito do Reino Unido”, acrescenta. Muitos dos britânicos estão devastados com esta escolha.

Por outro lado, não falta quem veja em tudo isto um certo egoísmo e mesmo ingratidão dos britânicos.

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“Temos agora o problema da legislação que vai regular a emigração no Reino Unido. Sabemos que o grande problema de David Cameron, quando iniciou todo este processo, tinha a ver com questões de imigração e de financiamento em termos europeus, o que é bastante injusto,  porque o Reino Unido foi um dos países que mais dinheiro recebeu. Também é um dos maiores doadores, é verdade, mas dou o exemplo da Cornualha,  que tem cinco deputados, e desses cinco,  quatro votaram a favor do Brexit,  sabendo que a Cornualha foi a zona da Europa que, digamos, teve a maior bondade do ponto de vista dos fundos europeus no Reino Unido, o que é muito estranho. Em relação à emigração,  a grande questão do Reino Unido tinha a ver com os migrantes,  particularmente os refugiados… e eu acho que quando estamos num projecto como este, o projecto europeu, não é apenas a economia e as finanças que interessam: há um contrato de valores de receber as pessoas que estão em dificuldades.  Só quem não olha para o que se está a passar na Síria é que não entende porque é que aquelas pessoas têm de sair de lá. O Reino Unido sempre foi muito diferente em tudo, desde que esteve na UE, aliás,  sempre foi o que mais mal dizia da União Europeia,  mas acho que Cameron aqui fez uma aposta má, jogou muito mal, tentou fazer bluff e correu mal. Perdeu, é o grande derrotado de todos este processo”.

O fenómeno de arrastamento pode vir a ser uma realidade a contribuir para a fragmentação da Europa unida,  uma vez que há muita gente insatisfeita com as políticas de austeridade impostas de forma dura por Bruxelas a países que incluem Portugal. Não poderão haver outros países que queiram seguir o exemplo da Grã-Bretanha?

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Liliana responde que “vão haver taquicardias, mas não fragmentação, espera. “Este problema já se colocou com a Grécia,  que, com um governo supostamente radical,  conseguiu negociar. “Como é possível que o Reino Unido, com um governo não radical, não o tenha conseguido?”, lamenta. Mas, insiste novamente, há que desdramatizar. Os britânicos não foram obrigados a entrar na UE, e também ninguém os obrigou a sair.

A eurodeputada madeirense entende e afirma que o futuro do projecto europeu está nos países da Eurozona.  O novo renascer do projecto irá passar necessariamente por esse grande bloco.

A Inglaterra não pertence a esse grupo e, com o  o Brexit,  a libra já recuou a valores de há trinta anos. “Não vejo que esse arrastamento seja assim tão óbvio,  embora haja esse medo”.

Mau grado a saída da Grã -Bretanha, a mesma não deixa de ser um país europeu com responsabilidades, inclusive militares. E continua a ter de responder a um seu parceiro fundamental,  os Estados Unidos da América, aponta.

Questionámos: há uma aproximação da UE à Turquia,  provavelmente dado o seu a importante papel estratégico e militar, e por causa do seu monumental exército,  que engrossaria de forma significativa o cada vez mais enfraquecido contingente bélico dos países europeus. As implicações criadas pelo Brexit não poderão causar um volte-face na política europeia relativamente ao gigante turco,  que não tem até agora acatado as recomendações dos países ocidentais em matérias fulcrais como a liberdade de imprensa e de expressão e os direitos humanos? Ou seja,  menos exigências europeias e mais concessões,  no sentido de facilitar a sua entrada e engrossar as suas fileiras militares com um aliado estratégico dos EUA dotado de forte poder militar, capaz de suprir um eventual menor envolvimento da Grã-Bretanha na segurança do continente?

Liliana Rodrigues não acredita. Conhece bem os atritos com o governo turco,  que tem “asfixiado a liberdade de expressão e os académicos em termos de liberdade de expressão e pensamento”. Sabe que aquele país quer a todo o custo a liberalização dos visas dos cidadãos turcos. E a resposta do parlamento europeu é “não” , enquanto as coisas não mudarem para melhor naquele país. Há 75 critérios impostos pelo presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker,  e que a Turquia terá de cumprir obrigatoriamente para garantir a liberalização dos visas. “Seis deles estão por cumprir e alguns são fundamentais,  como a liberdade dos media e a alteração da lei do terrorismo.” Enquanto isto não acontecer, nada feito. Recep  Erdogan, o chefe de estado turco, está visivelmente a orientar-se para um sistema presidencialista, o que intrinsecamente não tem nada de mau, a não ser a excessiva concentração de poderes que parece querer empreender, numa atitude autocrática que,  para a nossa interlocutora, provocará problemas gravíssimos com a Turquia dentro de dois anos.

Apesar dos atritos com o governo turco, Liliana Rodrigues salienta a “enorme generosidade daquele povo em relação ao povo da Síria, recebendo três milhões de sírios, dando-lhes abrigo e recebendo-os de braços abertos”, apesar das grandes dificuldades económicas que também enfrentam. “Dersm um exemplo que a Europa, dita humanista,  não foi capaz de dar. Nem a Inglaterra, já agora. Pelo contrário” .

Entretanto,  prossegue o recrudescimento dos grupos de extrema direita, com Nigel Farage à cabeça entre os ingleses. Mas este tiro poderá sair-lhes pela culatra. Daqui a dias, será a Escócia a querer um referendo para sair do Reino Unido.

Liliana Rodrigues é uma europeísta convicta.  Apesar dos senãos, a Europa unida tem permitido manter a paz num continente que no passado foi assolado por muitas guerras. Para ela, a Inglaterra deveria ter conseguido vislumbrar isto.