Opinião de Ricardo Vieira: reformas pouco renovadas e um ato de um Representante pouco útil

 

ricardo vieira1Anunciou-se desempoeirado, tolerante e democrático. Vinha com um “new look” mais citadino, mais europeu e mais século XXI. Trazia o discurso do diálogo, abominava o acinte e prometia equilíbrio.

Um ano depois deve reconhecer-se que o debate democrático é mais civilizado e mais respeitador. Admito mesmo que os direitos da oposição a agendamentos e à colocação dos assuntos no parlamento estão mais assegurados e muito mais equilibrados.

Mas há pelo menos uma matéria em que a expectativa se gorou. Refiro-me à necessária reforma da administração pública regional. Em todo o processo autonómico, o mais que se fez foi repetir na Região o que se fazia em Lisboa, e copiaram-se departamentos e cargos (muitos como forma de remunerar o bom desempenho de funcionários) hiperdimensionando estruturas, sem justificação racional.

O renovado Governo pouco inovou em matéria de reforma da administração. Pouco mexeu nas orgânicas, para além da adequação à nova estrutura do Governo. A ousada reforma que em tempos deu azo a um aturado e perdido estudo de um nosso conterrâneo, foi totalmente esquecida.

Duas medidas porém, é de referir:

– a primeira, a criação de institutos públicos. Foram o da Qualificação (DLR 6/2016/M) e, o das Florestas e Conservação da Natureza (DLR 21/2016). Anunciou-se para breve um para as Artes e até atirou-se para ao ar com o anúncio da transformação de uma Fundação (social-democrata) que já devia ter sido extinta, em Instituto. Fora este último caso sem interesse para este artigo, a verdade é que a criação de institutos, motivada numa mais fácil gestão de dinheiros e na obtenção de fundos europeus, obedece a princípios que não foram minimamente respeitados. Um Instituto só deve nascer quando tem receitas próprias e capacidade de afectação de dinheiros que justificam uma gestão mais expedita e mais de acordo com os princípios de uma gestão privada. Um Instituto é um instrumento administrativo justificado pela comprovada autonomia financeira que lhe subjaz.

A verdade porém é que os requisitos que levam à criação de institutos e que estão nas próprias leis que a Assembleia Legislativa criou ou adaptou, não foram atendidos nem respeitados, como sejam:

– a comprovação da sua necessidade com personalidade própria e da consequente ausência de poder de direcção efectiva do Governo para a prossecução das suas atribuições e

– a comprovação das condições de sustentabilidade feita por um estudo prévio sobre a sua necessidade e sobre as implicações financeiras e efeitos relativamente ao sector em que vai exercer a sua actividade.

Mais estranho é ainda quando se confiam funções de polícia a um Instituto (o das Florestas e Conservação da Natureza) numa perversão das atribuições e competências fundamentais de interesse público.

– a segunda medida, é mais recente e tem a haver com os cargos dirigentes da administração pública. Refiro-me aos cargos superiores onde se incluem os directores regionais e os presidentes dos institutos. Ao invés do que existe a nível nacional (também nos Açores, ao contrário do que foi dito e escrito), optou-se pela livre nomeação, invertendo a evolução a que se tem assistido e que se pratica nas outras partes do País (e da Europa), com o princípio do concurso. Aqui acede-se a esses cargos não por mérito em competição com outros candidatos, mas por escolha do Sr. Secretário. Já não basta os inúmeros atropelos a que se assiste em muitos dos concursos para cargos dirigentes regionais para agora, pura e simplesmente, eliminar o procedimento concursal quando estão em causa cargos de topo. Como soe dizer-se “nada de novo no quartel de Abrantes”, ou depressa caiu a máscara inicial.

A necessária intervenção do Representante da Republica nesta matéria ficou aquém do que devia. O Representante da Republica em vez de ter vetado ou ter pedido a apreciação da constitucionalidade dessa autorização legal para o amiguismo, resolveu assiná-la com uma mensagem inócua e justificativa. Fez mal!

A função pública da Madeira não tem nenhuma capitis diminutio face à restante parte do País, como infelizmente, noutros tempos, Marcelo Caetano no seu Manual de Direito Administrativo escreveu ao justificar a existência exclusiva de regedores de freguesia na Madeira. O dirigente da função pública da Região merece ter um estatuto que não dependa dos bons ou maus fígados dos Secretários que o nomeia. É atestar a menoridade quando se trata o dirigente regional como se não fosse capaz de se sujeitar a um concurso, onde o mérito tem uma palavra predominante. Pessoalmente não gostava de ser dirigente nomeado quando noutros lados são-no por concurso!

Até porque, é bom que não se esqueça, esse nomeado é quem vai avaliar o desempenho dos seus hierarquicamente dependentes, criando-se uma rede penetrável a interesses pouco consentâneos com a imparcialidade e independência que a Constituição impõe à Administração Pública, mesmo sendo regional.

O Representante da Republica tinha o dever de sujeitar essa iniciativa à fiscalização preventiva da constitucionalidade, evitando que amanhã, noutros processos em que se impugne a validade de atos praticados por esses dirigentes nomeados se venha a concluir pela inconstitucionalidade da sua designação com efeitos retroativos de dificil reparação.