Já há estudo sobre o Bordado Madeira

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Georgina Garrido tem estudado o Bordado Madeira.

(Com Cristina Costa e Silva) / Afinal, Miguel Albuquerque poderá não precisar de encomendar um estudo para aferir o estado de saúde do Bordado da Madeira.

A conclusão do mais recente e abrangente trabalho sobre o sector deu origem a uma tese de Mestrado, defendida a 1 de Dezembro passado em Lisboa e que teve a classificação final de 18 valores, com menção de excelência.

Longe de imaginar que o Presidente do Governo Regional ia mandar passar a pente fino o sector, Georgina Garrido tinha mostrado já à presidente do Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato o resultado do seu trabalho, recebendo rasgados elogios de Paula Cabaço, tais como foram os elogios dos orientadores da tese que será publicada agora em livro pela Universidade Lusófona.

Coincidências à parte, a conclusão do trabalho foi surpreendente: a investigadora, impedida de exercer a sua profissão por problemas de saúde, dedicou-se a procurar a origem do Bordado Madeira, compatibilizando um sector ligado à família do marido e a vontade de folhear a história, que lhe foi desvendando o que descobriu para além do que é conhecido pela maioria dos madeirenses.

O facto é que Georgina, que dedicou toda a sua vida ao restauro, descobriu os percursos feitos ao longo de muitas décadas pelas linhas e pontos que levam o nome da Madeira ao mundo, se bem que nem sempre pelas portas mais óbvias.

Primeiro, o bordado que conhecemos é o melhor do mundo, não tem dúvidas, mas que o sector poderá ter os dias contados, é a principal conclusão do trabalho, como veremos mais à frente. Mas vamos por partes.

As primeiras indicações de venda das nossas peças remontam a 1852, para Cabo Verde e para os Estados Unidos da América embora existam registos de vendas de Bordado Madeira anteriores a essa data, com registos de saídas do Convento de Santa Clara. Era às religiosas que os turistas compravam, saindo dos navios em direção ao local e só depois disso é que há a ligação aos ingleses, razão pela qual na altura o nosso trabalho passou a ser conhecido como Bordado Inglês.

Depois desses, os alemães e os austríacos ficaram encantados pelo trabalho feito pelas mulheres da região, tendo trazido para cá a moda da época. Habituados já à industrialização e conscientes de que na região os passos eram ainda muito rudimentares, deram uma mãozinha ao sector e as peças bordadas na Madeira eram depois levadas para Hamburgo para serem recortadas e exportadas para os Estados Unidos.

Sírios e libaneses vieram procurar bordado para a 5ª Avenida

bordado1Foram os germânicos, de resto, que trouxeram para a Madeira o processo de estampagem e de picotagem, para que o processo de fabrico fosse mais rápido. Em 1880 é já conhecida uma fábrica que utiliza os métodos introduzidos, mas o mais curioso é o que está para acontecer na altura da I Grande Guerra.

Em 1916 chegaram ao Funchal vários cidadãos sírios, libaneses e até um egípcio, que vieram à procura de Bordado Madeira. Tomaram conta das fábricas alemães, porque deixaram de receber as peças das suas empresas, imagine-se, na 5ª Avenida, em Nova Iorque. Desse grupo de jovens empreendedores, são os sobrenomes Jabara e Kassab os mais sonantes e o desta última família o único que chega aos nossos dias.

Quando os árabes foram embora entregaram as fábricas aos portugueses, tendo sido aí que a investigadora começou a entender o declínio da indústria, recusando-se, hoje, a usar a palavra para classificar o sector. Apesar de ainda se verificar a continuidade da exportação para os EUA até meados dos anos 60 e depois da abertura do mercado americano aos filipinos e chineses, juntou-se a queda do Muro de Berlim, no final dos anos 80 e os alemães tiveram de ajudar o leste, em detrimento da Madeira.

A última machadada na indústria do Bordado Madeira deu-se com a entrada em vigor da moeda única.

O mercado italiano também foi uma realidade, essencialmente no sul, mas também esse mercado se perdeu, porque a China começou a produzir mais barato. O resultado foi o que chegou aos nossos dias, um setor que factura menos de um milhão de euros por ano.

Georgina Garrido sabe que as próprias empresas que vendem bordado não elucidam os turistas sobre o que estão a comprar e lamenta mesmo que em algumas lojas onde se vende Bordado da Madeira se vendam sob a forma de artigos de muito inferior qualidade, a maioria deles feitos à máquina.

Para combater o crescimento desta indústria paralela, uma das propostas de Georgina Garrido feitas ao Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato da Madeira, foi mesmo a de juntar industriais para que o bordado regressasse à 5ªAvenida, como aconteceu no início do século XX.

Não se compete com a Zara Home

O trabalho da investigadora divide-se em três capítulos: aprofundar a história do bordado, a justificação de uma Casa de Bordados e do próprio sector como património e o último, transformar uma dessas fábricas num economuseu. O conceito é o de um museu que vive da história e que cria uma série de serviços à volta do sector para alavancar financeiramente a própria casa. O conselho da responsável do IVBAM foi de que Georgina tentasse convencer os industriais do sector a embarcarem na ideia, que apoiou desde o início.

A perceção da investigadora é a de que os empresários do sector não estarão a ir às feiras mais adequadas, porque quando chegam aos locais onde vão mostrar o bordado deparam-se com feiras de indústria têxtil e de casa e decoração. A questão é se se deve competir com uma marca como uma Zara Home ou uma Ikea, só para dar dois exemplos.

Questionada sobre se o Bordado tem os dias contados, a investigadora realça que quem promove tem apoios para uma das indústrias, neste caso o Vinho e tem de dar resposta à aplicação desses dinheiros, podendo ficar às vezes descurados outros sectores.

Com duas licenciaturas, uma pós-graduação e um mestrado, Georgina Garrido tem estudos suficientes para desenvolver trabalhos nas áreas da conservação e da recuperação, mas essa não é só mexer em peças, é também rebuscar a história, tudo por conta própria.

Foi por não se ter resignado quando terminou os restauros para a Diocese e entidades públicas que se entusiasmou pela indústria do bordado, tendo ido para a empresa da família do marido falar com os profissionais mais velhos e encontrou o motivo para fazer esta investigação. Fez um pequeno trabalho que deu origem depois à tese de Mestrado que será publicado brevemente, estando já a investigadora a trabalhar numa possível tese de Doutoramento, conforme foi sugerido pela própria instituição.

Georgina alerta que é preciso conhecer para saber valorizar. Passa tardes inteiras no Arquivo Regional da Madeira e tem descoberto verdadeiras surpresas em que tem trabalhado e que têm dado origem a várias ideias para trabalhos posteriores.

As conclusões do estudo que serve agora de guia para a hipotética tese de Doutoramento na Universidade Lusófona poderão servir para reorientar o sector do Bordado, pois os dados de que dispõe poderão ser fundamentais para salvar a tradição que já levou mais o nome da Madeira aos quatro cantos do mundo do que agora. Para recuperarmos a nossa identidade.