Uma Europa de iguais

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Em cada dia que passa vamos acentuando a sensação de que a União Europeia se está a esfarelar. Sim, falo daquela União em que, com os olhos postos no futuro, começamos, eu e muitos milhões de pessoas como eu, a acreditar como constituindo a sequência lógica de uma promissora CEE, a que a unidade política e monetária iriam juntar robustez, agilidade, força, desenvolvimento, prestígio internacional e dimensão social. Mas, repito, temo que se esteja a desfazer, a implodir, a derreter-se, a dissolver-se, – ou soterrada por uma gélida avalanche de rácios, de deficits, de superavits, de dívidas, de prazos, de empréstimos, de recessões, de desempregos, de confianças, de falta delas, de egoísmos, de empreendedorismos, de investimentos ou da sua ausência, de falta de ideias, de falta de coragem, de falta de… Europa -, e como eu desejo estar enganado, confundido e, amedrontado, a sobrevalorizar o imediato em detrimento da consabida e elogiada resiliência europeia e da sua capacidade de se defender face aos perigos que sempre a ameaçaram e de se autorregenerar, adaptando-se às novas exigências, a um maior escrutínio e a uma, muito em voga, apaparicada e fatal intolerância.

Aquela Europa, a que pensávamos perene, era uma Europa de iguais, de referências de destino comum; hoje, afigura-se-me, aventuramo-nos nos perigosos caminhos da diferença, na construção de uma Europa de particularidades, – longe do princípio da adopção de mecanismos de excepção (clausulas de opting out) temporários, por exigência prática -, no reforço dos egoísmos nacionais e na potencial densificação de atitudes nacionalistas, xenófobas e, quiçá, racistas, que não podem senão comprometer a caminhada que iniciamos juntos.

Há dias, num programa televisivo, o anterior presidente da Comissão Europeia cotejava a Europa a doze, do período em que ele havia sido MNE* com a actual, a vinte e oito, afirmando que, sem dúvida, a Europa de hoje é incomparavelmente mais forte que a de então. Não me parece ter sido uma tirada suficientemente reflectida; os exemplos abundam a evidenciar o contrário: são as finanças públicas, é o sistema financeiro, são as economias nacionais com as suas particularidades, é a percepção política de cada Estado face ao seu próprio papel no seio da União, é a atitude assumida por cada um deles nos capítulos de defesa ou de política externa, é, como se tem visto, o modo como, sem nenhuma espécie de rebuço, é abordada e tratada a questão dos refugiados oriundos de países em guerra e que, lamentavelmente, são objecto, por parte de países da EU, das práticas mais reprováveis por que insensíveis, desumanas, cruéis. Não. A Europa a doze era mais forte, mais coesa, mais solidária, tinha princípios, regia-se por valores, acreditava nela própria, preparava o futuro. A de hoje, não sei, temo que esteja a cumprir, já, um calendário de sobrevivência. A Grã-Bretanha tem um estatuto especial, negociado e aprovado pelo Conselho, que vai referendar para ajuizar do comprometimento europeu dos seus cidadãos; países que foram, durante décadas, vítimas do Muro de Berlim, erguem agora os seus próprios muros, não menos vergonhosos, evitando, com arrogância, cumprir o papel de que estavam, como todos nós, incumbidos; Schengen é suspenso, um pouco por todo o lado, com a ligeireza de um espirro, agravando as dificuldades de gestão do drama dos refugiados, sem que, institucionalmente, a Europa, os seus poderes, sejam capazes das decisões que se impõem; o crescimento económico na zona euro, e em toda a Europa, continua anémico e pouco promissor; a lógica da convergência foi-se perdendo; o social periga; a União treme.

Tony Judt, grande historiador contemporâneo, já falecido, num ensaio publicado em 1996 no “The New York Review of Books”, em Julho, afirmava que “A probabilidade de a União Europeia cumprir as suas promessas de união cada vez mais estreita ao mesmo tempo que se mantém aberta a novos membros nas mesmas condições é bastante baixa…”.

Sem questionar o adquirido, penso que se deveria, ganhando tempo, começar a pensar nisto. Para que se mantenha a esperança num futuro de paz, de harmonia, de desenvolvimento e de bem-estar social.

*MNE- Ministro dos Negócios Estrangeiros