Escola a Tempo Inteiro não pode ser uma “solução burocrática” e de “perfil homogéneo”

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Na manhã deste sábado, 20 de fevereiro, segundo dia do seminário do SPM, “A Escola a Tempo Inteiro: e se houvesse ventos de mudança?… Lançar sementes para o futuro“, os trabalhos iniciaram-se com o Painel II “Apresentação, discussão e definição das linhas orientadoras para um novo modelo” alternativo à Escola a Tempo Inteiro. Com Ariana Cosme, investigadora da Universidade do Porto, e Carla Teixeira, diretora da escola Visconde Cacongo no Funchal. A moderação esteve a cargo de Lucinda Ribeiro, dirigente do SPM.

Antes disso, Margarida Fazendeiro, vice-coordenadora do sindicato, apresentou à plateia a proposta de novo modelo alternativo à Escola a Tempo Inteiro, materializado num documento, que viria mais tarde a ser alvo de debate e aprovação. No final, Rui Trindade fez a conferência de encerramento do seminário. O evento contou hoje com a presença de três diretores regionais: Jorge Morgado, diretor da Inspeção Regional de Educação, Carlos Andrade, diretor regional de Inovação e Gestão, e Marco Gomes, diretor regional de Educação.

Carla Teixeira, decorrente da sua tese de mestrado, apresentou as vantagens (enriquecimento da educação, sucesso escolar, contributo social, realização dos TPCs, interação social, vertente profissional dos docentes) e desvantagens (excesso de tempo na escola, hiper-escolarização, burocratização, cansaço, desinteresse, indisciplina, pouco tempo com a família, desresponsabilização dos pais e pouco tempo para brincar) da ETI. A docente considera que se desvirtuaram os princípios da ETI e que se «cria a identidade de cada escola à custa de excesso de trabalho, sacrifício e carga horária dos docentes». Sublinhou a importância de todos terem oportunidade de acesso à oferta cultural.

Partindo do conceito amplo de educação (não restrito à instrução), Ariana Cosme, certa que a escola e a educação podem mudar o mundo, explanou sobre a importância da medida chamada ETI, os seus riscos e a proposta alternativa ao atual modelo (escolas de educação integral ou global). A resposta «urgente às famílias» é incontornável e a medida, na Madeira e no continente, faz todo o sentido por respeitar o princípio de «justiça e equidade social» por via de «ofertas educativas mais amplas» e para «todos». Até porque a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) já o preconizava (artigo 2.º, ponto 4). Sem sentido é o discurso contra as famílias alegando que se «querem descartar» dos filhos. Apesar dos riscos de desresponsabilização de algumas dessas famílias, o que importa é defender o interesse superior da criança. Para contrariar o perigo da hiper-escolarização, as atividades extra não podem ter uma matriz escolarizante. Além dos mais, a ETI não pode ser uma «solução burocrática» e de «perfil homogéneo» para todas as escolas e os municípios, porque é preciso dar espaços às «escolhas» locais.

A docente universitária defendeu que o acesso à cultura não deve ser apenas para as elites e que as famílias precisam da resposta social da escola. Daí o entendimento da escola como «polo de interação cultural», com duas valências: educação escolar, desenhada pelos programas e pelo currículo, e animação dos tempos livres para vivenciar experiências tão significativas quanto formativas (explorar, relacionar-se, brincar, descobrir, produzir, apreciar e ser apreciado), em que se baixa o «ritmo acelerado e louco» da escola. Acrescentar mais horas e velocidade não é solução para melhorar a escola. Rematou com um alerta: esta é uma reflexão difícil, contraditória e que exige tempo.

Após o tempo de debate, e a aprovação do projeto do SPM para encetar o processo de construção de uma alternativa ao modelo da ETI, Rui Trindade proferiu a conferência de encerramento sob o título “A Escola e os seus compromissos sociais: Contributo para um debate que se quer mais urgente do que apressado”. Aconselhou a Madeira a revisitar o seu «património de experiência» para pensar a escola de outra forma, depois de ter defendido que os «compromissos sociais» da escola devem estar «subordinados aos compromissos educativos, até para evitar o «transbordamento das funções da escola» (António Nóvoa) ou a «pedagogização dos problemas sociais» (José Augusto Correia). O contributo dos professores é fazer com que a escola se torne «culturalmente mais significativa».

O investigador universitário do Porto caraterizou depois os projetos educativos de natureza assistencialista, os projetos que assumem a escola como espaço de redenção social dos mais desfavorecidos, os projetos de caráter (neo)meritocrático e os projetos de inspiração democrática. Elege esta última abordagem porque, e citando Bourdieu, passa por nas escolas se tomarem «todas as medidas necessárias para dar aos mais desfavorecidos boas condições de formação» e, sobretudo, «contrariar todos os mecanismos que conduzam a colocá-los nas piores.» Isto apesar do tempo «terrível» que se vive no mundo da globalização neoliberal, da crise do estado social e da precarização das relações laborais e do emprego. Está convicto de que a «democracia pode ajudar» a lidar com os problemas que o mundo nos coloca.

No momento em que a opinião pública debate o prolongamento da ETI até ao 9.º ano de escolaridade, o SPM organizou em 19 e 20 de fevereiro “A Escola a Tempo Inteiro: e se houvesse ventos de mudança?… Lançar sementes para o futuro“, uma ação que se integra na presente campanha nacional da Fenprof intitulada “1.º CEB: caminhos para a sua valorização”.