A fotografia é do Governo Regional da Madeira e foi captada, este sábado, à chegada da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima ao Aeroporto do Funchal. Uma perspetiva interessante do ponto de vista cultural, mas que acaba por suscitar outras reflexões graças à legenda que a acompanha.
A imagem obtida na sala vip coloca, lado a lado, dois dos principais ícones da História recente. Ambos são capazes de mobilizar milhares de admiradores, num desígnio nacional que une os universos da paixão e da devoção, do fado e da fé. E se de lusitanos falamos, a dimensão das emoções não ficaria completa sem o desporto rei, vivido como se de uma religião se tratasse.
Sem querer tecer juízos de valor sobre lógicas do presente, a imagem remete porém para uma trilogia que durante décadas marcou a vida do país. “Fado, Futebol e Fátima” foi a fórmula encontrada para manter a paz social num dos períodos mais difíceis para os portugueses. Um respaldo confortável aproveitado por regimes e políticos, mas com resultados nem sempre decentes.
Passados mais de 40 anos da chegada da democracia, a matriz devota continua forte na população portuguesa e, talvez por isso, seja grato ao poder político continuar a associar-se a esta dimensão espiritual. Não o deveria fazer. Por uma questão de respeito e até de estratégia. Nos tempos que correm, em que os interesses económicos e políticos são conhecidos por valorizarem paradigmas que pouco ou nada têm a ver com valores e ética, torna-se forçado e teatral o enfoque oficial no contexto mariano. É desproporcionado. Até porque as pessoas, enquanto rezam, também fazem contas e não esquecem que muitas das suas dores e lágrimas resultam precisamente das inoperâncias e problemas causados pelos políticos. O que pensará o pai de família desempregado ao ler esta legenda? E o que sentirá o doente que aguarda por cirurgia há mais de dois anos? E o idoso que vive de esmola? Não fica bem querer tirar proveitos do céu quando uma parte da população atravessa o purgatório.
Finalmente. Fátima é muito mais do que um evento institucional, pelo que dispensa legendas ou demais notas de rodapé. Pela energia de paz que transmite, pela humildade que interpela, pelo exemplo de bondade e justiça que agita as consciências, constitui um momento de verdade, de apaziguamento, de retempero que caberá só na esfera espiritual de cada um. Como tal, deverá ser poupado a lógicas de populismo ou estratégias de agendas oficiais. É o mínimo.
