A direita tem um SNI (1)

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Em 26 de Novembro de 2015, pelas cinco da tarde, tomou posse, na sequência das eleições legislativas ocorridas em Outubro, o governo do PS liderado por António Costa. Feitas as contas, até hoje, foram passando, em tom cruel, injusto e doentio, os dias de pouco mais de dois meses que, politicamente, trouxeram à tona, confirmando, que a direita não perdoa, nem perdoará, ao actual Primeiro-ministro, o facto de o ser, a circunstância de assumir tal responsabilidade nos termos que escolheu para o concretizar e a coragem de pretender, como se tem visto, contra o quase tudo do anterior executivo, devolver a dignidade aos portugueses, repor a justiça, melhorar Portugal. Tudo isto, e tanto é, reduzindo a pó a ideia de que, ao que tinha sido (des)feito não havia alternativa – já célebre, a TINA, “there’s no alternative” – que a direita, no seu mais exacerbado liberalismo económico, tinha transformado num fatalismo perverso e de não menos perversas consequências para todos e para cada um dos portugueses.
Sem nenhuma espécie de comedimento, de reserva, de consideração democrática, de respeito pelos cidadãos e pelas suas mais do que legítimas expectativas na possibilidade aberta de novos “ares”, de mais promissoras soluções, de mais respeitáveis desígnios, de acrescidas razões de confiança e de futuro de que o novo governo se fez portador, a comunicação social, no seu conjunto, vive a preocupação única e obsessiva de tudo arquitectar e elaborar que valide as políticas que, sentidas na carne e no espírito pela esmagadora maioria dos portugueses, foram contra estes esgrimidas ao longo dos quatro anos e meio que antecederam as eleições de 04 de Outubro passado. ´
Situa-se na proximidade do repugnante, o modo como, notícia a notícia, “ultima hora-a-ultima hora”, comentário-a-comentário, análise-a-análise, opinião pública-a-opinião pública, – esse milagre catártico que o audiovisual inventou para criar a ideia, falsa, de resto, de que a opinião dos cidadãos conta -, debate-a-debate, frente a frente-a-frente a frente, artigo-a-artigo, uma espécie inconfessável de SNI controla a liberdade, a isenção, o pluralismo e o rigor, valores que, convictamente, temos todos a certeza, deveriam enriquecer uma informação livre e digna.
Assim não é.
Perplexidade sem limite, a que resulta de, a todo o momento nos ser dado perceber que, para essas televisões, – entre as quais se situa, com escândalo, o canal público -, para esses jornais, para essas rádios, mais importante do que tudo, é que o novo governo não consiga governar, que não consiga ter, aprovado, um OE para 2016, que falhe, que não se popularize pela justiça da sua acção, que obrigue a novo austeritarismo, que determine novos cortes, novos despedimentos, novo e agravado desemprego, nova vida velha para quem já nada mais tem para entregar. O que a comunicação social tem vindo a fazer, nomeadamente a RTP, de forma persistente, é colocar-se ao lado dos que estão na defesa dos seus egoístas interesses, uma minoria, contra todos aqueles, cidadãos portugueses, em esmagadora e representativa maioria.
O governo negoceia com os sindicatos? – Sobressai, por parte de quem noticia, de que o ideal será que não cheguem a acordo… Mas se, por acaso, chegarem, tratar-se-á, por certo de uma lamentável cedência ao PC; o governo bate-se em Bruxelas por vida nova no relacionamento com as instituições europeias? – O comentário noticioso deixa a descoberto a vontade de que, independentemente do que isso pudesse representar de bom para Portugal, mas porque seria uma vitória do governo de António Costa e dele próprio, o melhor será que não aconteça; Não é possível a devolução da sobretaxa do IRS? A culpa é do governo anterior? – Não se realçará excessivamente o logro, decidem os agentes destas artimanhas…
E assim continuaríamos, indefinidamente, pela constatação, a tomar consciência do que, no cabeçalho, na primeira página, na paginação, nos alinhamentos, – no caso do audiovisual -, na selectividade dos convites feitos a comentadores e analistas, na definição das prioridades, importante é defender, contra tudo e contra todos, quem, por serem os donos, definem as regras do jogo. Combater esta prepotência, porque de prepotência se trata, é também uma exigência que ao desejável empenhamento cívico se deve colocar, para que se não fique refém da arbitrariedade, do despudor, da falta de vergonha e de sentido do verdadeiro interesse nacional.
Interessa a Portugal e aos portugueses, por tudo o que se tem visto nestes primeiros meses de actividade governativa do governo de António Costa, que este executivo tenha sucesso, que tenha condições para concretizar o que se propôs, que seja estimulado para continuar a pacificar e unir a sociedade portuguesa, que, coeso, reinvente um País que acolha de novo os seus e em que dê prazer viver e construir o futuro. É urgente assumir, com vigor, a capacidade para interpretar os factos, para os analisar, para os potenciar como decisões a tomar. É preciso de saber resistir aos SNI’s que a todos querem condicionar e controlar.
Quase por acaso, há pouco, dei comigo a folhear um pequeno livro de Mário Soares de 2009. A páginas tantas, entendi, num pequeno parágrafo nele inscrito, aquilo que me parece ser a síntese quase perfeita para as preocupações que, neste momento, convosco partilho. Com a queda do Muro de Berlim, “ a vitória da democracia parecia não poder mais ser posta em causa. Ora, passada pouco mais de uma década, parece estar de novo em crise. Sobretudo, a chamada ‘Democracia Liberal’, que começa a ser corroída pela ‘crise de valores’, expressa pelo abandono dos princípios éticos, pelo excesso de marketing político, pelo peso do dinheiro, dos paraísos fiscais (offshores), dos negócios especulativos e, sobretudo, também pela interacção dos media e da política. As democracias, em tempo de globalização neoliberal, correm o risco de se transformar em oligarquias plutocráticas e em telecracias, na expressão feliz de Bernard Stigler.”
Importa que a cidadania o seja, cada vez mais, de forma desassombradamente interveniente.
É uma exigência da consciência de homens livres.

(1) – SNI – era o organismo público responsável pela propaganda política, informação pública, comunicação social, turismo e ação cultural, durante o regime do Estado Novo em Portugal. Wikipédia.