Lojistas desesperam num centro comercial “fantasma” em Santa Cruz

Fotos: Rui Marote

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Aquando da sua construção, anos atrás, foi polémico pela volumetria, que muitos consideravam exagerada, e que surgia numa ampla área de implantação mesmo no centro da vila de Santa Cruz. Mas a promessa de benefícios económico-financeiros e de impulso ao comércio do concelho ultrapassou as reticências e a contestação e o projecto foi mesmo para a frente. Falamos do Santa Cruz Shopping, onde há anos esteve também instalado um então próspero supermercado da marca Sá. Hoje, ao visitá-lo a poucos dias do Natal, o visitante fica impressionado com o cenário desolador com que se depara. É uma autêntica ruína da Madeira Nova, um centro comercial que, como outros, nos fala de um quotidiano diferente, em que os corredores e as lojas fervilhavam de fregueses com outro poder de compra e uma bolsa mais desafogada.

Actualmente, o aspecto é francamente patético. A decadência instalou-se e é visível em todos os aspectos: no letreiro oxidado do supermercado entretanto encerrado, nas escadas rolantes desactivadas, nas lojas encerradas, nos corredores escuros onde a luz foi desligada. E também no espaço situado na parte frontal do edifício, em frente de uma esplanada de onde até as grelhas de escoamento da água da chuva no chão foram removidas (roubadas?), da responsabilidade da Câmara Municipal, e que, inutilizado e cheio de lixo, serviu de poiso a vadios e drogados durante um bom tempo, até que se decidiu, finalmente, vedá-lo com uma cerca que mais parece um galinheiro, mas que não evita a acumulação de detritos. Um espectáculo verdadeiramente de terceiro mundo, no centro de uma pequena vila intitulada cidade.

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Dentro do centro, pinheiros e decorações de Natal dão as boas-vindas a quem chega, mas, dado o estado de inoperacionalidade geral do centro comercial e até a iluminação deficiente, que torna o local soturno e pouco acolhedor, o efeito é grotesco. Todo o local nos fala de um falhanço. E esse falhanço pesa especialmente a quem investiu naquele lugar tudo o que tinha.

No interior do Shopping subsistem, dificilmente, algumas, pouquíssimas, lojas, dedicadas a costura, cafés, comércio de bijuterias. À nossa frente, entram alguns visitantes estrangeiros. Contemplam o triste espectáculo, espantados, e tornam rapidamente a sair. “Até sentimos vergonha quando cá entram pessoas de outras nacionalidades. Isto é um desespero”, confidenciaram-nos os estóicos comerciantes resistentes naquele local.

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Há três anos que fechou o supermercado Sá, que, reconhecem, era um grande chamariz de público para o centro. Com a queda deste ‘império’ madeirense das grandes superfícies, o espaço ficou abandonado. Segundo nos dizem, já esteve para ir para ali um supermercado da marca Continente. Mas a sua entrada em funcionamento terá sido adiada devido a um litígio que a família Sá mantém nos tribunais, devido ao encerramento do supermercado, e que se arrasta no tempo. A esperança de quem continua no centro pouco a pouco vai-se esvaindo.

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A proprietária de uma loja garante-nos que se não tivesse comprado o estabelecimento, mas apenas alugado, já não estaria ali, de certeza. O drama está estampado na cara desta mulher. Ainda está a pagar ao banco o empréstimo para a compra da loja. Mas passam dias sem que lhe entre um único cliente. O centro estagnou, morreu. Já ninguém vai ali.

As lojas que não foram compradas, dizem-nos, estão hoje sob alçada do BANIF. “Mas o BANIF não se mexe para nada”, lamentam. “Por isso é que isto está nesta desgraça”.

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Conforme nos explicaram, o banco não apresentou qualquer plano de revitalização para aquele espaço. “E nós é que estamos a sofrer com isso”, lamenta a lojista.

A situação foi-se agravando progressivamente no decorrer dos últimos sete anos. Há cerca de 3 anos, quando o Sá fechou, as coisas pioraram. E continuaram a piorar. “Cortaram a luz no centro, os elevadores já não funcionam… O BANIF não nos diz nada. Eles próprios deixaram de pagar o condomínio, e depois, claro, cortaram a luz… Ora, quando eles que são os maiores, cá dentro, não fazem nada, não somos nós que vamos conseguir fazer alguma coisa. Fizemos muito, no início, para promover o centro – ao contrário dos próprios promotores do centro, que nunca fizeram nada. Trouxemos a rádio cá, fizemos eventos para promover o centro… Mas depois, as coisas agravaram-se. Há tempos, já estava quase para vir para cá o Continente, mas os promotores do prédio inviabilizaram, porque o Sá não era proprietário, apenas alugava o espaço… Está empatado por causa disso. Não vem nenhum supermercado para aqui, enquanto o Sá não resolver este imbróglio, que está em tribunal. E andamos assim”.

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Resistem umas três lojas ali, mais um restaurante. Porque não têm outra opção. Cada loja tem ainda luz, porque as mesmas têm contador próprio. Senão, já nem isso tinham. Porque a luz já foi cortada nos corredores, elevadores, escadas rolantes, casas de banho… Algumas lojas, entretanto, fizeram passar um fio para conseguir iluminar as casas de banho.

Os próprios lojistas acham ridículas as decorações de Natal que ainda ali permanecem. Mas já foram pagas há anos atrás e estão a ser colocadas outra vez, porque a quadra se aproxima. Isso, todavia, não é suficiente para cativar ninguém.

“No início, este centro estava a funcionar que era uma maravilha, as lojas abertas”, recordam com saudade. Agora, que tudo parece abandonado, não atrai pessa alguma. “O que mais me admira é que, se isto agora é do BANIF, eles não querem tirar lucros disto?”, espantam-se os utentes.

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Por cima do centro, há apartamentos alugados. “Há tempos, o BANIF mandou os arrendatários decidirem-se: ou compravam os apartamentos, ou saíam. Preferem ter os apartamentos fechados, do que receber aquela renda!? Como é que é possível?”, espantam-se. Já não havia muitos apartamentos para vender, a maior parte já havia sido vendida. Mas houve inquilinos que saíram, tal como foram saindo das lojas. “Hoje sai um, amanhã sai outro… é claro que as pessoas vão-se indo embora”.

Nas lojas abertas, a palavra repete-se na boca das pessoas com quem falámos. “Desespero. Isto é um desespero. Parece que estamos no terceiro mundo, isto não parece a ilha da Madeira, não parece Santa Cruz”.

As críticas não poupam o BANIF nem os promotores do prédio, mas também não são simpáticas para com o executivo da Câmara Municipal de Santa Cruz, nem o anterior, nem o presente.

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“Já fomos lá tantas vezes, para ver se nos podem ajudar, mas nada. Não nos dão qualquer resposta satisfatória. São ‘Juntos Pelo Povo’, mas na realidade, são é ‘juntos por eles’”, acusam alguns.

Quanto ao BANIF, “nem resposta nos deram”. E a Câmara, “já nem vale a pena ir lá”. Aliás, a Câmara ia cortar a água por falta de pagamento, pelo que duas lojistas tiveram de assinar um plano para ir pagando, senão já nem água teriam.

Puxam um fio eléctrico de uma das lojas para alumiar como podem o interior do centro, “mas isto aqui, às seis horas da tarde, já é uma escuridão”, queixam-se.

Tiraram fotos e enviaram ao BANIF, documentando a situação desesperada. “Até hoje. Ninguém nos dá resposta”. Nem da Câmara, nem do banco, asseveram.

Da autarquia, uma vez ouviam uma coisa, outra vez outra. “Os políticos todos mentem. Garantiram-nos que vinha para aqui um supermercado. Até hoje”.

As contas por pagar ao condomínio e outras entidades acumulam-se. Os comerciantes que ainda ali estão assumem que deixaram de pagar. Já não podem. Sem entrar dinheiro, não há possibilidade de ter contas pagas. Não há contas pagas, não há luz, e assim por diante, num círculo vicioso.

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A iniciativa de fazer esta reportagem não partiu de nenhum comerciante do espaço. Foi exclusiva do Funchal Notícias. Apesar de nos acolherem bem e nos contarem as suas dores, as pessoas assumem que têm ainda mais medo de que uma entidade qualquer acabe por fechar definitivamente o centro. Aí, então, seria o desespero absoluto. Os comerciantes têm ainda mais medo de que a situação ainda possa piorar, por incrível que isso possa parecer possível. Mas se calhar até é .

Ali já estiveram abertas  lojas importantes: TMN, uma tabacaria, o Alberto Oculista, a loja desportiva The Best, uma florista, uma lavandaria… Hoje, é a desolação. Ainda se juntam jovens ali, em alguns espaços que mantêm esconderijos escuros. Há quem fale apenas de namoricos, mas há quem garanta que ainda se juntam ali grupos a consumir droga. As versões divergem. Qualquer que seja a resposta, tudo nos fala de miséria e abandono.

“E o dinheiro que investimos aqui dentro?”.

Afastamo-nos, com a pergunta dos comerciantes ainda a retinir nos ouvidos, já cansados de ouvir tantas e recorrentes histórias de falências e desemprego.

O Funchal Notícias tentou contactar a Câmara Municipal de Santa Cruz, sobre este assunto. Enviámos várias perguntas por email para o gabinete do presidente Filipe Sousa, mas até à hora indicada como limite para entrar no âmbito desta reportagem, não tínhamos recebido nenhuma resposta.

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Estes espaços camarários estão desaproveitados e no estado que as imagens documentam.

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