Redução na quota do atum patudo poderá afetar 230 famílias na Região

atuneiros caniçal
Operam na Madeira 13 atuneiros, cada um com cerca de 20 tripulantes.

A partir de 2016, e durante três anos, os atuneiros portugueses só poderão capturar até ao limite de 3.620 toneladas de atum patudo. Uma redução de 25% imposta, na passada semana, pela União Europeia a todos os países que pescam no Atlântico, ao que tudo indica por questões de preservação da espécie. Na Madeira, a medida poderá comprometer o ganha pão de mais de 230 famílias.

A recomendação caiu como um balde de água fria nas pretensões do sector da pesca de tunídeos nacional, desiludindo especialmente a Madeira e os Açores, as regiões onde se captura quase em exclusivo a quota portuguesa de patudo.

A comitiva portuguesa, da qual a Região fez parte através do diretor regional de Pescas e de uma investigadora do seu gabinete, procurou negociar um regime de exceção à medida proposta, atendendo ao caráter sustentável e seletivo da frota portuguesa nos stocks de peixe e aos efeitos potencialmente nefastos na viabilidade do sector, mas a União Europeia manteve-se inflexível na decisão.

À delegação portuguesa, presente na reunião anual da Comissão Internacional para a Conservação de Tunídeos no Atlântico (ICCAT), que teve lugar em Malta de 10 a 18 de novembro, custa sobretudo aceitar a opção em penalizar os países costeiros europeus com a redução da quota anual, em detrimento dos países não costeiros e em vias de desenvolvimento, estes com maior flexibilidade nas quantidades a capturar.

A comitiva portuguesa que participou em Malta na reunião internacional sobre tunídeos no Atlântico.
A comitiva portuguesa que participou em Malta na reunião internacional sobre tunídeos no Atlântico.

Nas resoluções finais, ficaram igualmente de fora medidas recomendadas pelo comité científico, mas que à partida restringiam as capturas francesas e espanholas, os gigantes da indústria. Ao contrário de Portugal, que utiliza as técnicas do isco vivo e do salto e vara, de baixo impacto nos stocks, as embarcações de França e Espanha utilizam o cerco e dispositivos de concentração de pescado como métodos de captura, considerados pelos cientistas altamente prejudiciais em termos da conservação das populações de atum, visto que atingem essencialmente os espécimes juvenis.

Na prática, a ideia que sobressai é que a União Europeia acabou decidindo pressionada pelos grandes interesses económicos franceses e espanhóis, ficando para segundo plano as razões científicas inicialmente advogadas para a revisão das quotas.

Redução a vigorar durante três anos

Neste momento, as 3.620 toneladas anuais permitidas a Portugal – a Madeira só por si capturou 1.770 toneladas de patudo este ano – serão facto consumado até 2018, altura em que as quotas serão novamente revistas, nada garantindo porém que, nessa altura, os valores venham a ser reforçados. Tudo dependerá da viabilidade da espécie.

Mesmo assim, as autoridades portuguesas esperam atenuar os efeitos desta restrição através do sistema de transferência de quotas, em que o saldo não utilizado de um país pode ser cedido a outro. O pedido foi feito, mas será ainda objeto de negociação.

A redução da quota em 25% levanta apreensão sobretudo no que toca à sustentabilidade da indústria, no caso dos atuneiros de maiores dimensões. Segundo as autoridades, o limite proposto toca o limiar da viabilidade para o sector.

Na Madeira, os limites na captura de atum patudo poderão comprometer o ganha pão de mais de 230 famílias, tantas as que dependem do trabalho nos 13 atuneiros a operar na Região.

Barcos parados a ver o atum passar

Sabe-se que o atum patudo é uma das espécies tradicionalmente prevalentes nas nossas águas, a par do atum voador e do gaiado. Este ano, por exemplo, foi a espécie mais capturada nas nossas águas, atingindo as 1.770 toneladas, mais 6% do que em 2014. Pelo contrário, o gaiado, espécie sem restrições, registou uma espantosa redução de 88%, tendo sido descarregadas apenas 114 toneladas. Também o atum voador, em 2014 a espécie no topo da lista das capturas, sofreu este ano uma quebra de 62%, não atingindo sequer as 900 toneladas. No global, o saldo foi fraco, representando quase metade do pescado descarregado na lota em 2014.

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Patudo, voador e gaiado. Este ano, a safra rendeu quase 2.800 toneladas.

Ora, é precisamente este cenário que as autoridades temem. Se a safra vier alguma vez a depender exclusivamente da espécie agora limitada – as migrações dos animais são um fator imprevisível -, é quase certo que a frota passará grande parte da temporada do atum atracada nos portos a ver o peixe passar. Feitas as contas, o negócio deixaria de ser rentável para os atuneiros com tripulações maiores e custos de operacionalidade mais pesados, correndo-se o risco de muitos deles virem a ser desativados.

Ao Funchal Notícias, o diretor regional de Pescas reconheceu que o processo de redefinição das quotas de tunídeos ficou aquém das expetativas de Portugal. Luís Ferreira está ciente de que a notícia não será bem recebida junto dos armadores que operam nas águas da Madeira. “Será recebida com frieza”, reconhece.

No entanto, sublinha que tanto as delegações madeirense e açoriana como os membros do Governo da República, os investigadores e as associações que integraram a comitiva portuguesa fizeram um grande esforço para garantir melhores condições, deixando registado no documento final o desacordo de Portugal em relação às recomendações da ICCAT. “Infelizmente, a União Europeia não foi sensível aos nossos argumentos”.