Centro Cívico Edmundo Bettencourt merece outro fado

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Fotos Funchal Notícias

Crónica: O Centro Cívico de Animação Cultural ‘Edmundo Bettencourt’, na Rua Latino Coelho, no Funchal, merece outro fado. O espaço, tutelado pela direcção regional de Cultura, é dedicado ao fadista e poeta madeirense, Edmundo Bettencourt (1899-1973).

Mas, depois do fulgor inicial, o espaço deixou de ter a movida cultural que este tipo de infraestruturas merece.

Deixou de ter vida e limita-se a albergar instituições, algumas delas igualmente moribundas, como a Associação de Escritores da Madeira, o Cerne-Casa da Europa na Madeira, a Associação de Bondolins da Madeira, a Associação de Folclore e Etnografia da RAM, o Teatro Experimental do Funchal (TEF) e a Escola de Bailado Carlos Fernandes. Estas últimas, porventura, as que tentam remar contra a maré.

Catálogos e roteiros turístico-culturais ainda continuam a afirmar que “além da exposição de fotografia, livros e outros objectos culturais deste artista o museu tem também uma galeria de exposições temporárias”.

Edmundo1Quem foi Edmundo Bettencourt?

Edmundo Bettencourt nasceu no Funchal em 1889. Fundador da “Presença – Folha de arte e crítica”, em 1927, Bettencourt abriu espaço ao movimento que tomou o nome da revista e que até 1940 haveria de marcar a literatura nacional.

Mais tarde, o poeta travou amizade com Artur Paredes e dedicou-se ao Fado de Coimbra, revolucionando-o. São dele temas como ‘Samaritana’, ‘Senhora do Almortão’ e ‘Do Choupal até à Lapa’.

Edmundo Bettencourt, que faleceu em 1973, tornou-se lendário em Coimbra. José Afonso considerou-o o maior cantor de sempre do fado de Coimbra.

Gravou inúmeros fados que se mantiveram em catálogo até finais de 1940. Datam deste periodo os oito fados, gravados em Lisboa em 1928, que constam no segundo volume, “Fados de Coimbra, (1926-1930)” da colectânea “Arquivos do Fado”.

Em 1993 foi ainda editado um CD em sua homenagem, gravado por antigos estudantes universitários, como ele, naturais do Funchal.

In memoriam, aqui fica um dos seus poemas:

Vigília

No panorama de frio
jazia cristalizado o voo dos gaviões. Ao seu encontro ia fremente
o respirar da terra quente quase adormecida. Fluía um riso irónico das dentaduras alvas da neblina
para bocas de ouvidos,
olhos de bocas.

Surgiu então coberto de silêncio
o homem que desde sempre morrera trucidado.

O seu sangue caía enquanto andava.
Das gotas pelo chão se levantaram logo as árvores de fogo
dentro em pouco a floresta incendiária
de todo o frio que o chamava.

E antes que soprasse a ventania
a borboleta colorida foi queimada.

Mas antes que o sol humidamente
repousasse num clarão de olhos fechados,
as cinzas de pirâmides se espalhavam
indo ferir o enorme olho esbugalhado
que de aquém fitava um espaço maior!

Edmundo Bettencourt, in ‘Poemas Surdos’