Resultados do CDS foram “uma hecatombe”

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Funchal Notícias – O CDS/Madeira viu-se ultrapassado, nestas últimas eleições legislativas nacionais, pelo Bloco de Esquerda. Em sua opinião, a opção do cabeça-de-lista foi a mais acertada? Há muita gente que acha que devia ter avançado Rui Barreto, e não José Manuel Rodrigues. Qual é a sua leitura sobre estes resultados?

Teófilo Cunha – Fazendo uma leitura objectiva e fria, alguns dias após as eleições, não temos aqui que mascarar nada… os resultados foram muito maus para o CDS/Madeira, nestas legislativas em toda a Região Autónoma. Quanto às razões do mau resultado, podem ser apontadas algumas…

Uma das razões pode ter a ver com o facto de o eleitorado ter querido penalizar o CDS por integrar também o Governo a nível nacional. Havia pessoas no partido que achavam que isto não iria acontecer, mas quem já anda nisto há muito tempo, sabe que, quando integramos o Governo da República, estamos também sujeitos a ser penalizados a nível regional.

Não foi só o CDS que perdeu muitos votos; o PSD também. O que indica claramente que houve essa penalização contra as medidas de austeridade que foram implementadas pela coligação nacional ao longo dos últimos quatro anos.

Outra razão importante prende-se com o facto de o nosso presidente [José Manuel Rodrigues] ter sido mais uma vez cabeça de lista a mais um acto eleitoral, a mais um desafio. Foi uma opção que o presidente quis tomar, e que teve a concordância de grande parte do CDS regional.

Na altura, alertei para os riscos de ele voltar novamente a ser candidato nestas eleições, mas o presidente quis assumir esse risco, e quem assume riscos na política, a seguir tem de assumir as consequências. E, na hora certa, ele tirou as ilações que tinha que tirar.

FN – José Manuel Rodrigues insistiu, na campanha, que era o único candidato com experiência parlamentar a nível nacional. Aparentemente esse argumento não convenceu o eleitorado.

TC – Os resultados indicam que não convenceu.

FN – Acha que Rui Barreto teria sido uma opção mais acertada?

TC – Agora, estamos aqui a extrapolar hipóteses… Em teoria, eu diria que Rui Barreto talvez tivesse melhores hipóteses. Pelo menos, o que se ouvia na rua, entre pessoas que não são simpatizantes, mas que votaram CDS nas outras eleições, era que teria sido uma melhor opção. Agora, isso são tudo questões teóricas… Ia haver sempre uma penalização por o CDS fazer parte do Governo nacional. Se o resultado ia ser melhor ou pior… provavelmente teria sido um resultado melhor, muito próximo da elegibilidade… mas estamos a falar sempre em teoria.

Eu fui um dos defensores do Rui Barreto, achava que devia ter sido ele o candidato, mas por razões que já são conhecidas do público, o presidente achou que devia avançar, e os resultados estão aí à vista.

Aconteceram, também, outros fenómenos que aconteceram e que é importante realçar: as listas, de uma forma geral, todas elas, era fracas. A lista do PSD era uma lista fraquíssima, eram pessoas, quase todas elas, sem nenhuma experiência política… nem sequer vogais de junta chegaram a ser, alguns deles. Dois dos candidatos são pessoas que vivem em Lisboa. As pessoas apercebem-se deste tipo de pormenores, e é mau…

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FN – O que é curioso é que o CDS desenvolveu uma campanha talvez bastante mais activa que a do PSD, ao fim e ao cabo, sendo que a campanha social-democrata até foi fracamente acompanhada pelo presidente do partido, e foi o CDS que foi penalizado, enquanto o PSD conseguiu eleger três deputados…

TC – Mas isso faz parte das regras do jogo. Quem teve nas últimas eleições 50 e poucos por cento, se não me engano, as hipóteses de manter, ou mesmo como aconteceu, reduzir o número de votos é mais fácil de acontecer do que passar, por exemplo, de quatro mandatos para zero. É mais fácil passar de um para zero do que de quatro para zero, isso é matemática. E o PSD teve, se não me engano, o pior resultado das eleições legislativas de que há memória e, pela primeira vez na história, o PSD e o CDS, somados, já não são mais 50% do eleitorado que vota tradicionalmente ao centro/direita.

FN – Esperava uma ascensão da esquerda nestas eleições?

TC – Eu estava convencido de que… O PS não fez nenhuma ascensão, teve uma subida normal… eu acho que ficou aquém do que poderia ter tido. O presidente festejou, mas cada um deita os foguetes e depois apanha as canas à sua maneira. Podia ter tido um melhor resultado, mas conseguiu eleger dois candidatos, e está de parabéns por isso. Passou de um para dois… mas temos de admitir que continua sempre na casa dos 20 por cento.

FN – Mas não esperava que o CDS fosse ultrapassado pelo Bloco de Esquerda...

TC – Exactamente. Se me pergunta sobre o resultado do Bloco de Esquerda, eu tinha a convicção de que teria um bom resultado, e até, politicamente falando, retiraria votos ao PS e à coligação, estrategicamente era um bom adversário. O que passou para o público foi um BE muito mediático, na pessoa de Catarina Martins e das irmãs Mortágua. Eu acho que também foram parar muitos votos ao BE que não são do eleitorado tradicionalmente dele. Mas duvido muito que daqui a quatro anos, o BE mantenha estes 10 por cento. Há ali muito voto de revolta, de protesto, de descontentamento, com os três partidos que costumam governar o país, o PSD, o CDS e o PS. As pessoas viraram-se todas para o Bloco de Esquerda, que, devo admitir, fez uma campanha boa, Catarina Martins fez uma campanha com poucos meios, mas muito bem conseguida, bem estudada, bem organizada, e sempre muito bem preparada para os debates a que ia. De uma forma simples, conseguiu angariar muitos votos. Há agora também uma maré na Europa, que acaba por vir parar a Portugal, de os “extremos” crescerem… Os partidos continuam a governar ao centro esquerda ou ao centro direita, e as pessoas também querem demonstrar que estão chateadas e descontentes com os partidos tradicionais, e o BE representa quase um Syrisa em Portugal e na Madeira. Serei sincero: com todo o respeito que tenho pelo deputado do BE, [Paulino Ascensão, agora eleito para a Assembleia da República], e adiantando-lhe parabéns por ele ter sido eleito, eu só o conheci no dia das eleições. E já ando nisto há algum tempo.

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FN – Entrevistei-o no dia das eleições e ele foi o primeiro a admitir que capitalizou muito a projecção nacional do BE e de Catarina Martins.

TC – Claro. Com muito respeito que tenho pelos adversários, ele foi ‘arrastado’ com a maré que vinha de Portugal Continental. Não conheço o candidato, pode ter muitas qualidades, e oxalá que as tenha e que defenda bem os interesses da Madeira que é isso que queremos aos nossos seis deputados [no Parlamento nacional], sejam eles de que partido forem. Mas ele foi ‘de arrasto’ atrás daquilo que sucedeu a nível nacional.

Claro que como simpatizante e votante do CDS há 20 anos, fiquei triste [com os resultados do partido]. Mas se me pergunta se eu esperava um resultado deslumbrante do CDS, não. Tinha a convicção de que se o nosso presidente [José Manuel Rodrigues] fosse eleito, seria muito à tangente. Afinal, nem à tangente foi. Foi uma hecatombe muito grande.

FN – O que acha que vai acontecer agora ao CDS/Madeira?

TC – Vai acontecer como acontece noutros partidos. Há uma nova geração de militantes no CDS. O CDS cresceu… E temos que reconhecer: se é verdade que o nosso presidente teve um mau resultado nestas eleições, não é menos verdade que foi ele que levou o CDS às costas, ao longo destes últimos 15 anos, numa fase inicial sozinho… Eu aprendi muito com ele, e devo-lhe muita coisa. Ele fez um trabalho meritório em prol do CDS e foi à custa do trabalho dele e também da equipa que o rodeou que o partido passou de dois para nove deputados. Desde que há memória do CDS aqui na Madeira, foi ele que conseguiu os melhores resultados a nível regional. Não podemos pensar que, se as coisas correram mal uma vez, as pessoas não prestam para mais nada. Continuam a ter o seu valor. Mas em política temos que saber quando é que entramos, e quando é que devemos sair. E o próprio José Manuel Rodrigues já admitiu que politicamente, nesta fase, o ciclo dele está encerrado. Embora o mundo dê muitas voltas…

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FN – Rui Barreto já manifestou disponibilidade para fazer aquilo que os militantes entenderem. Nomeadamente, ser eventualmente candidato à liderança. Numa situação dessas, ele contaria com o seu apoio?

TC – Se há poucos meses atrás, eu defendia que ele deveria ser o candidato à Assembleia da República, claro que não mudo de opinião. Continuo a achar que é a pessoa que reúne melhores condições para ser o futuro presidente do CDS da Madeira. Não tenho dúvidas nenhumas em relação a isso. Já o conheço há muito tempo, ele é presidente da Assembleia Municipal de Santana, e temos falado sobre isso, e claro que se ele for candidato, terá o meu apoio incondicional.

FN – Tenho uma pergunta para lhe fazer sobre uma posição algo polémica que o CDS defendeu nesta campanha: o retorno do pastoreio às serras da Madeira. Isto divide opiniões mesmo dentro do próprio CDS. Qual é a sua opinião pessoal sobre isto?

TC – Fazendo a pergunta nua e crua, da forma como a fez, e depois de ouvir as pessoas, pastores, pessoas que percebem do assunto… Há os estudiosos que dizem que antigamente, mesmo havendo pastoreio, havia aluviões… A história de haver gado na serra talvez não justifique que não haja problemas como aconteceram no passado recente, no 20 de Fevereiro de 2010.

A minha opinião pessoal é um pouco ambígua. Ao se colocar gado na serra… Lembro-me perfeitamente de passar no Poiso, quando era mais novo, e aquela zona praticamente estava reduzida a um relvado e algumas urzes, não havia árvores ou arbustos, do pastoreio intensivo ali. Eu sentia que faltavam ali árvores, cuja disseminação agora está no bom caminho, e estão a crescer muitas árvores para ajudar a fixar a terra.

A proposta do CDS, no entanto, parece-me equilibrada. Defende a reintrodução do gado, mas obriga a que haja reflorestação. Se essa proposta entrar, como tenho conhecimento de que entrará, nestes moldes, tenho a consciência de que será uma proposta responsável e cuidadosa, que foram ouvidas várias pessoas em diferentes áreas. Não é o caso, mas se me dissessem que era uma proposta em que se reintroduzia o gado na serra a qualquer preço e em qualquer lugar, eu também não sou a favor disso. Tem que haver um pastoreio regulado e controlado, e delimitado, bem circuncrito. Não direi que sou completamente contra o pastoreio, mas também não sou a favor de um pastoreio sem ser regulado e controlado, isso não pode voltar a acontecer.

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FN – Finalmente: como estão neste momento as relações entre a Câmara Municipal de Santana e o Governo Regional?

TC – Já várias vezes referi que, no pouco tempo que trabalhámos com o anterior Executivo, nunca senti problemas nenhuns, as coisas correram bem; com o actual Executivo, também têm corrido de igual forma. Se continuar assim até ao final do mandato… Estamos cá para trabalhar em prol da população de Santana. Estamos a trabalhar com quatro Juntas do PSD e duas do CDS, e não faço distinção. Se se mantiver este espírito de abertura e entreajuda, tudo correrá bem. Temos que pensar é com esta óptica de colaboração. Aquele passado em que só por ser de cor diferente, já tem que ser penalizado, isso já acabou. E acho que deve acabar e ser posto de lado. Quem está aqui está para defender os interesses das pessoas, e não tem que estar a defender os interesses deste ou daquele partido. A luta partidária, salutar, de ideias, com civismo e com nível, é na altura da campanha eleitoral. Temos de trabalhar em conjunto, principalmente quando estamos num clima de dificuldades.