Neste lamber da ferida que me ficou da noite de 4 de Outubro, assaltou-me a memória de um dia também pós-eleitoral em Outubro de 1996 e em que o protagonista fui eu. As eleições são isso mesmo, vitórias e derrotas ao sabor da soberania de um povo que, sem sentimento, mas com a frieza da ponta da esferográfica, traça o destino de anos de dedicação e de luta. Mas os partidos não devem ser como clubes de futebol que semana após semana se refazem dos desaires do placar com a esperança de um próximo confronto com uma equipa mais enfraquecida.
O que fazer deste resultado? O que fazer deste partido?
O resultado revela uma crescente inconsciência da responsabilidade do voto. Muitos o usam como pirraça, como canelada dada por detrás, como pedrada lançada sem pensar bem em quem é que vai bater. Quando se troca um candidato madeirense como o Zé Manel Rodrigues por uma Catarina Martins que nunca precisou dos votos da Madeira para ser eleita e que defende a saída do euro e o fim da nossa Zona Franca, não é isto brincar com a responsabilidade do direito que temos?
Outros nem sabem que nas eleições para a Assembleia da Republica se elegem deputados por círculos – e que a Madeira é um deles! – e que a sua designação é feita por método proporcional. Alguns desconheciam que a coligação na Região era a duas vozes. Houve quem me dissesse que não votou no CDS porque não queria o Portas para Primeiro Ministro e que periferia o Passos Coelho.
Desgaste do candidato? Castigo por ir a todas? Quem quis votar no BE deixaria de o fazer se fosse outro o candidato pelo CDS/PP?
Tudo dito? Não. Há muito mais.
O CDS não pode continuar como tem sido. Não pode continuar na senda do que são os partidos políticos em Portugal e na Região. Os partidos políticos não têm sido instituições transparentes, nem democráticas, nem abertas onde todos se sintam bem. Há que fazer uma verdadeira revolução nos partidos e vou propor que se comece pelo meu onde milito há anos. Quero um partido:
– aberto, a todos os que quiserem participar, sem que seja necessária a filiação ou a amizade.
– recetivo a contributos, atento aos sectores sociais, aos profissionais e aos cidadãos em geral.
– transparente, com contas na internet, com despesas certificadas.
– pedagogo, prestando o serviço público de esclarecer a população sobre a politica, a dimensão pública da vida madeirense.
– próximo, prestando a todos os que nos procuram aquilo que podemos e devemos servir e prestar. E há tanto para fazer para poder dar.
– amigável, onde o convívio, o encontro, a familiaridade é tão importante como as campanhas ou o serviço que nos pedem em prol da organização.
– exigente para com os eleitos, pedindo responsabilidade e desempenho.
Não se pode pedir lá fora o que não se tem dentro de casa!
Isso vai levar a propor uma orgânica muito diferente, a métodos de designação dos órgãos e dos cargos muito mais abertos e democráticos, a compromissos muito mais efectivos e a uma relação com a população mais franca e directa.
Neste rescaldo lembrei-me de que esse contributo pode ser muito mais importante do que tudo o resto. Para que daqui a anos, não surja nova laceração a necessitar de curativos cada vez mais difíceis.
Depois traçar um rumo estratégico. O CDS perdeu um tipo de inimigo que morreu nas últimas eleições regionais. Verdadeiramente tem andado um pouco à deriva desde então. Era natural este interregno porque as “obrigações coligadas” nos obrigavam. Mas já é tempo de “passar a Taprobana” e transformar o principal partido da oposição na principal oposição.
De varanda não gosto de estar. A consciência obriga-me a intervir. Para isto fundamentalmente, esclareça-se!
Ricardo Vieira