“Gostava de ficar limpo e de bem com os meus filhos”

SONY DSC

FOTOS: Rui Marote

Não é uma história original. Será igual a tantas outras, mas ouvi-la em primeira mão é dolorosamente esclarecedor. Manuel [nome fictício], 38 anos, pescador do Caniçal, durante décadas consumidor de heroína, literalmente queimou anos da sua vida no vício. De caminho, arruinou o seu casamento. Hoje vê os dois filhos ao fim-de-semana. E lamenta ter sequer começado nas drogas. Está em tratamento, mas sabe que este é um problema que poderá acompanhá-lo toda a vida. A heroína, ou ‘cavalo’, não abandona facilmente aqueles a quem se apega.

Aos 17 anos deixou a escola e começou a trabalhar na faina. Já nem se lembra bem como foi a primeira vez que fumou haxixe, o chamado ‘xamon’, que foi a sua porta de entrada no mundo obscuro das substâncias aditivas. Sabe que foi no convívio com amigos, no Caniçal. “É sempre com amigos que começam essas coisas”.

viagem-mundo-das-drogas

Durante uns anos limitou-se ao haxixe, mas “depois apareceu a heroína no Caniçal”. Terá sido há cerca de vinte anos atrás.

“Logo que apareceu, consumi. Foi rápido, começou tudo a consumir. Quem principiou a traficar foi um pessoal de Machico… E de um para o outro, a heroína espalhou-se rapidamente. Era uma malta que se juntava ali, brincava, ria, éramos todos amigos. E ninguém sabia verdadeiramente o que era a heroína”, recorda.

Nesses tempos ninguém ainda se injectava. Fumava-se a heroína. O efeito era mais lento, não era tão brutal e imediato como um ‘chuto’ nas veias. Mas era, à mesma, muito potente. “Um gajo apanhava cada ganza que até se esquecia de ir a casa”, contou Manuel ao Funchal Notícias. Comer ou tomar banho eram coisas que deixavam de importar.

“Só dava vontade de dormir, descontrair. Não se sente fome”. E o amor próprio desce drasticamente. Uma pessoa deixa de tratar de si. “Quanto mais dias ficar sem se lavar, pior é. Com a transpiração, um drogado fica mesmo com um autêntico ‘podre’ no corpo. Deixa de se importar com a vida”.

Não demorou muito a haver reacção policial. Começou a ir gente presa. “Houve uma altura em que foram presos nove ou dez. Aquilo sofreu uma quebra”, lembra, Mas a necessidade de consumo no Caniçal já estava estabelecida.

Manuel lembra-se especialmente de uma época: 1998. Era a altura da Expo, em Lisboa, a exposição internacional que projectou o país para os holofotes mundiais. Mas o nosso interlocutor recorda aquele ano por uma outra razão.

“Havia muito pessoal a fazer de conta que ia à Expo, embarcava de manhã e chegava cá à tarde”. Para quê? Para ir buscar droga para vender na Madeira. A coisa era de tal ordem que havia quem fosse à capital portuguesa duas vezes no mesmo dia, garante. “Houve muito pessoal a fazer isso”.

droga

Desse tempo, recorda uma casa que ficava perto da muralha, não longe de onde é hoje a piscina no Caniçal. Os viciados reuniam-se ali, e ali consumiam. E ali foram presos. “Foram agarradas grandes quantidades, o pessoal andava com cada ‘bola’ no bolso… andava à vontade com aquilo, ninguém pensava nas consequências que podia trazer”.

Do xamon para o cavalo, a diferença foi grande. A heroína “é mais forte, não tem nada a ver”, explica. O xamon “dá mais para rir, para ficar bem disposto… uma pessoa, tendo, fuma. Não tendo, não importa… Já a heroína, não. A heroína é uma ganza que não apetece falar com ninguém. Às vezes só dá para dormir… É uma ganza fixe, só que é fixe quando um gajo entra naquele meio de divertimento. Mas quando um gajo não tem divertimento, não vai a um lugar, não sai, fica só… sente-se na solidão. Não quer nada da vida, parece que está morto”.

De fumar heroína a injectá-la, o salto foi ainda maior. “O efeito é muito mais rápido, é imediato. Não demora três segundos, já começa a circular no sangue, já se sente, no estômago, na cabeça”.

É bom? É, diz-nos Manuel. O problema da droga é que sabe bem. Se não soubesse, ninguém quereria tomá-la. O pior são as consequências que vêm depois.

E mesmo a droga ‘boa’ tem os seus problemas. “Há gente que estraga o produto, mete ‘merdas’ nas coisas, estragam a heroína. Aquilo leva sempre misturas. A heroína é cortada com outras substâncias, depois vai para a mão de outro e leva mais um corte, e assim por diante. Quando chega ao pessoal, às vezes, vem tão diluída que nem a ressaca tira a um drogado experiente”, conta o nosso entrevistado. Que não demora a dar-nos o outro lado da questão: em pouco tempo fica-se “agarrado”.

droga

“Quando um gajo quer sair, já não consegue”, relata. E nessa altura já começa a ressacar, logo de manhã. “Aí é que começa o inferno, aí é que se começa a ser um escravo da droga. Aí, f.. deu-se”.

Pedimos-lhe que nos tente transmitir como é ressacar. As feições de Manuel contorcem-se.

“É uma coisa chocante, é um inferno, uma agonia. Sentem-se dores, enjoos, às vezes dá vómitos”, resume. A heroína pede mais heroína.

Depois aparecem todos os outros problemas, por acréscimo. Manuel é pai de um filho e uma filha, ambos ainda com menos de dez anos. Por causa da droga, diz que se “chateou” dezenas de vezes com a mulher, de quem se separou também várias vezes, voltando depois a reatar a relação.

“Depois eu ia fazer tratamento, voltava renovado, tudo bem… Aguentava-me uns tempos, mas depois… toca outra vez a cair na mesma vida. Um gajo quase que já não se importa com a mulher, quando está agarrado. Só não a mandava fazer coisas, por respeito, que eu nunca fui gajo de fazer essas cenas. Senão… é que há gajos que… conheço lá jovens com a mesma idade que eu, que puseram as gajas agarradas, mandaram-nas consumir e puseram-nas na prostituição…”, revela.

porto caniçal

Tendo observado a transformação do panorama da droga no Caniçal desde a adolescência até aos dias de hoje, Manuel lembra que antigamente havia muito mais à-vontade. Onde se quisesse consumir, consumia-se, fosse na rua ou não. Só que isso foi acabando. Quando fizeram a frente mar, também acabaram com as casas antigas, onde os drogados se juntavam a consumir. Hoje, “quase todos vão para casa consumir, não o fazem na rua”. Foi o que passou a fazer também Manuel, ia para casa, trancava-se na casa de banho e injectava-se. Mas também em casa, os problemas surgiam.

“Sabe como é, os velhos ‘tripam’ com aquilo. A família apercebe-se, todos acabam com problemas com os pais. Ora se eu não tive! Acaba-se a dormir na rua, a passar dias sem comer. Eu, por exemplo, desatinava e ia para a rua, para não haver ‘estrondo’ em casa, às vezes”.

As discussões eram frequentes e de esperar, admite.

“Nenhum pai gosta de ver um filho nesta merda. Os pais também já têm uma idade mais avançada, e estas porcarias já vão cansando… Os velhos também já não têm paciência”, admite.

Manuel também já a perde, consigo próprio. Está sem trabalhar há três anos. Além da pesca, teve um “trabalho bom” num areeiro. Mas sofreu uma lesão nas costas. A droga foi amortecendo a dor, e ficou tempos sem ir ao médico. Quando foi, constatou que o caso era mais grave do que parecia. Não pode fazer esforços. Quer voltar à pesca. No entanto, após todos estes anos passados desde que começou a consumir, está de novo a tratar-se com metadona. Mas é um processo difícil. Esteve quase um ano a reduzir as doses, para fazer o desmame. Mas quando reduziu a um determinado nível, já começou a ressacar. A metadona substitui a heroína, diz, mas em certas coisas ainda é pior. Entretanto, os médicos não se entendem. Um diz que pode fazer tratamento sem deixar a metadona. Outro diz que não.

SONY DSC

“Não sei se vou poder trabalhar mais. Mas gostava de ver se é possível. Quando estamos na metadona não apetece consumir, até porque é jogar dinheiro fora. Um gajo aguenta-se bem. Porque mesmo que consuma heroína, só dá um gostinho, depois não se sente mais nada. E assim não faz sentido gastar dinheiro”, explica.

É difícil fazer o desmame da metadona? A resposta não é fácil e varia de pessoa para pessoa. “Há gente que consegue fazer isso, principalmente se formos internados. Saímos bem. Mas depois é preciso ter força de vontade”.

Para uma pessoa sair da metadona, refere, é preciso “sair devagarinho”.

Questionámos Manuel: todos estes anos a consumir e nunca conseguiu deixar definitivamente. Volta sempre ao mesmo. Porquê?

“Não sei”, suspira. “Parece que está no sangue da pessoa, sei lá, parece um bicho que nos chama… Às vezes um gajo está mal consigo próprio, ou chateia-se com alguém, com a mulher, e cai naquelas coisas outra vez. No dia seguinte, arrependemo-nos. Quando voltamos à droga, depois de consumirmos durante uma semana, se já não passamos sem aquilo de dois em dois dias, aí já não há hipótese. Caímos lá outra vez”.

A mulher de Manuel nunca consumiu. Nem sequer haxixe, nem sequer álcool. Os problemas da droga afectaram-na de mais de uma maneira. Não foi só o marido que ficou viciado, foram outras pessoas da família, primos…

“Ela ainda me deu bastantes oportunidades”, reconhece. “Bem poucas mulheres hoje em dia fariam isso, como ela fez”. Mas ele não as soube aproveitar. O divórcio ocorreu há uns três anos. Mantêm relações cordiais, mas o amor ficou pelo caminho. Os filhos, esses, são outra parte da grande questão. A filha, mais velha, já se apercebe dos problemas que afectam o pai. O rapaz, mais novo, ainda não”. Por eles, Manuel gostaria de conseguir largar a droga de vez. A insatisfação consigo próprio não é pouca. “Se não fossem eles, acho que já tinha mandado isto tudo para o c…”, desabafa. “A minha força de viver ainda é eles”.

Depois de trabalhar nos batelões, que ajudaram inclusive a limpar todas as areias e terras arrastadas para a baixa do Funchal pelo 20 de Fevereiro, e que era um bom trabalho, Manuel foi convidado para ir trabalhar num grande atuneiro. Foi um ano bom para a pesca, mas as costas começaram a doer bastante. Foi na altura em que foi trabalhar para os Açores. Lá, fartou-se de fazer exames à coluna, chegou a estar internado. Devia ter ficado mais dias, mas pôs-se a andar do hospital. O barco ia partir outra vez para a ‘mancha’ (um grande cardume onde dois barcos de pesca se revezam) e “queria ganhar mais algum, sabe como é…”.

As costas não melhoraram. Entre umas análises e outras, descobriu que sofria de diabetes. E dos piores. Mais um problema.

“Aí, fiquei com a vida toda do avesso. Já não pude ir para o mar, já não pude trabalhar, e agora… Estou assim”. Há quase três anos sem trabalho. Está de baixa, mas esta está a acabar e os médicos dizem-lhe que é melhor tentar obter o reconhecimento da invalidez. “Contudo, ainda sou novo. Com dois filhos. A invalidez dá-me cento e tal euros. Que vou fazer com isso? Nada. A baixa que recebo, quatrocentos e tal euros, já mal dá para viver, dou 150 para os pequenos todos os meses… O que fica? Nada. Nem sequer dá todos os meses para a farmácia”, queixa-se.

Manuel assume que não é um santo. Também traficou droga, em pequenas quantidades, como muitos outros, e chegou a roubar dinheiro aos pais para comprá-la. Garante que nunca assaltou alguém, mas assume os ‘pecados’ acima descritos. Todavia, gostava de ter outra oportunidade. Nem almejava grande coisa. Sabe que não irá para rico, nesta vida. Mas gostaria muito de ter um trabalho que pudesse fazer, e que lhe desse uns 600 euros. Já não seria nada mau.

Quase toda a gente que consome droga no Caniçal, assevera, também trafica qualquer coisa. Mas são quantidades insignificantes. Os grandes traficantes, esses são pessoas “que ninguém sonha” que estejam metidos em tais actividades ilícitas, porque “são senhores”.

Os pequenos traficantes “são os tristes, como eu, que têm que vender para consumir”.

Felizmente, afirma, problemas com a Polícia passaram-lhe ao lado. Embora já tenha sido apanhado em rusgas, na Camacha e no Porto Novo, quando consumia. Na Camacha foi quando acabava de sair do bairro da Nogueira e se preparava para voltar ao Caniçal. Acabara de consumir, mas não levava droga consigo. No Porto Novo, estava em pleno consumo, todos a injectarem-se com seringas.

A zona da Nogueira é apontada por Manuel como o grande supermercado da droga na Madeira, actualmente. Mais do que o Caniçal.

Não foram poucas as vezes que foi à Camacha, com o seu carro, buscar droga para comercializar no Caniçal, em alturas em que a procura, na sua zona natal, era maior do que a oferta que lá havia. Foram presos alguns traficantes, a Polícia começou a prestar muita atenção no Caniçal e o comércio foi abaixo. Era, então, uma oportunidade para fazer negócio e simultaneamente para ‘servir’ os amigos, que já estavam a ressacar… “Houve dias de eu ir lá acima onze ou doze vezes”, do Caniçal à Camacha, buscar droga.

“Um gajo chegava ao Caniçal cansado de tantas viagens, já nem queria voltar, mas o pessoal pedia: por amor de Deus, isto e aquilo, e um gajo lá tinha que ir”, afirma.

Nunca temeu consumir um ‘caldo’ que não estivesse em condições, apanhar uma overdose? Quisemos saber o que nos diria Manuel a esta pergunta, mas o mesmo responde que nunca teve medo de injectar algo de perigoso.

“A heroína, a gente consegue cheirar, deita-se uma pinga na língua, já se vê o gosto… Aqueles que morrem de overdose é mais por causa do coração… O nosso coração, não é todo igual, de pessoa para pessoa, e pode haver momentos em que… é como os ataques cardíacos”, opina.

No Caniçal, diz, ainda há pouco tempo morreram dois rapazes, de enfarte, mas nenhum deles consumia drogas, garante. Assim, para Manuel, essas são fatalidades que podem acontecer a qualquer pessoa, com droga ou sem ela. Que ele saiba, só morreram dois rapazes no Caniçal de overdose, em todos estes anos. E o segundo, Manuel nem sabe bem se terá sido da droga, se do álcool.

Conhece, porém, outros dois rapazes que morreram em Londres, de overdose. “É que aqui eles consomem um pacote [de heroína]. Mas lá, é um pacotão. Eles querem consumir mais do que aguentam… e às vezes acontece isso. Mas no Caniçal não têm acontecido muitas mortes de overdose. Em Machico, talvez tenham acontecido também umas poucas”, sugere-nos.

Quanto gasta um viciado em heroína? Um pacote custa dez euros, explica. Manuel costumava consumir dois por dia, às vezes três. Também consumiu cocaína. Mas essa era uma droga mais cara, a dos ricos. Embora seja “mais gostosa”.

“O mal da coca”, refere, “é que o efeito dura pouco tempo. Mas quem tem uma quantidade boa, é uma coisa que até apetece. Porque é que são só gajos ricos que consomem coca? Porque aquilo é bom. E é mais caro, e mais difícil de encontrar”.

Uma vez, em Canárias, esteve numa casa onde se vendia droga. “Um lugar enorme, portão grande, nunca vi uma coisa assim. Tinha fechaduras de cima até abaixo. Lá dentro, um preto muito grande com uma arma, bué de quartos, montes de droga, pedaços enormes de xamon, de cocaína, de heroína… Fogo! Uma quantidade enorme. E o tipo a dizer: experimenta desta, desta, daquela… Nem um supermercado parece assim”.

Manuel saiu de lá com cem mil pesetas em droga. E com seringas, etc. O que não esperava era ter um mau encontro com a Polícia. Mas foi o seu companheiro que foi revistado, enquanto Manuel transpirava, cheio de medo. Curiosamente, não o revistaram. Deixaram-no ir. Benzeu-se e garantiu a si mesmo que ali nunca mais poria os pés. Safara-se de boa.

Hoje em dia o que “está a dar” no Caniçal são as drogas sintéticas, o ‘bloom’, esse alucinogéneo que às vezes deixa as pessoas completamente delirantes, capazes de actos irresponsáveis. Manuel consumiu LSD, mas nunca teve uma ‘trip’ má, daquelas de ver monstros a sairem das paredes. Porém, ‘bloom’ com ele nem pensar. ‘Logo que soube que aquilo era fertilizante para plantas, nunca mais quis saber”.

Hoje em dia, salienta, “meia dúzia” de consumidores no Caniçal serão fiéis adeptos da heroína, considera. O que a grande maioria quer é ‘bloom’. “É a moda”, supõe. Deve ser mais barato, também. Com cinco euros, arranjam um pacote, afiança.

“Mesmo assim”, adianta, “as coisas estão mais calmas. Não sei o que se passou com essa droga, se os consumidores já terão os efeitos mais controlados… Há uns tempos, havia indivíduos a fazer coisas loucas, queriam trepar à igreja… no princípio, era uma desgraça. O pessoal do Caniçal estava a ficar todo louco”.

Qual será o ambiente mais perigoso, entre a Nogueira e o Caniçal, sendo que este último ainda há dias foi notícia, por causa de uma grande rusga levada a efeito pela PSP?

“Eu acho”, diz Manuel, “que a Nogueira é mais perigosa que o Caniçal. No Caniçal, não se vêem grandes coisas… Acho que o pessoal de fora é que faz ‘estrondo’ no Caniçal, é que anda até às tantas, sempre a abrir, durante a noite, a acelerar, com travagens e escapes livres, a fazer disparates… Mas no Caniçal, não estou a ver ninguém bater em ninguém. Na Nogueira já é mais perigoso, se alguém vai para lá armar confusão… Já houve pessoal do Caniçal que andou lá a se armar, e levaram pancadaria. Ora, um gajo tem que chegar quietinho, tem que falar bem com aquela gente, comprou, andou, e mais nada. É assim que eu faço (quer dizer, fazia). A mim nunca ninguém me fez mal, na Camacha, e já andei bastante lá”, refere.

E no Funchal? “Desconheço a situação actual. Já há bastante tempo que não compro droga no Funchal. No princípio, vim bastantes vezes comprar droga no Funchal, mas nos últimos anos, não. Comprava na zona velha da cidade ou na Nazaré. Mas na Nazaré era mais xamon. Pó, nunca comprei lá. Já comprei pó, também, foi no bairro das Malvinas. Mas aí já tenho mais medo. Achei o pessoal mais perigoso”.

Manuel gostava de deixar a droga, “esta merda”, como lhe chama, de uma vez para sempre. “Gostava de ficar limpo”, e de “ficar bem com os meus filhos, a minha família”.

O que diria a alguém que está a começar a interessar-se pela droga?, questionámos.

“Diria para eles nunca sequer tentarem saber o que é isso. Para nem sequer tentarem saber o nome disso”, conclui.

Manuel não tem um mau ar. É um homem como tantos outros. A fala um pouco arrastada, o ar cansado, algo desiludido. À beira dos 40 anos, conserva ainda um ar de certa juventude, apesar de tudo. Achamos que falou francamente connosco. Não é diferente de nós. É uma pessoa como qualquer outra. É fácil pensar que poderíamos ter sido nós, no lugar dele, a começar a consumir, na juventude. A viciarmo-nos. A traficar. A deixarmo-nos destruir pela busca de sensações, pelo esquecimento. Ou poderiam ter sido os nossos familiares. Ou poderiam ser os nossos filhos.

A ideia assusta.