Coração da Europa cercado de arame farpado?

europa
Autoria: José Alves.

O tema dos refugiados está na ordem do dia. Naturalmente que só sabe o que é ser refugiado quem passa por esta experiência feita de fome, miséria, terror e perda de dignidade humana. O resto são palpites.

A Europa, após os escombros da guerra, sonhou criar uma casa comum alargada aos seus Estados. Teoricamente, o sonho é a melhor das utopias. Na prática, a unidade é tarefa sempre por fazer, muitas vezes por culpa dos preconceitos, ultra-nacionalismos e vaidades entre Estados. As vozes contra o acolhimento dos refugiados levam-nos a questionar, como o autor da imagem acima publicada, José Alves: coração da Europa cercado de arame farpado? É esta a nossa perplexidade.

Para trás, derrubaram-se muros de silêncio e de morte. Hoje parece que há quem queira erguer não muros mas muralhas contra aqueles que, sem culpa, caíram na desgraça e nos estendem a mão. Lição por aprender sempre.

Há receios, neste acolhimento, é certo. Mas a árvore não faz a floresta. O acolhimento dos refugiados, dentro das limitações de cada país, impõe-se porque somos seres humanos e fraternos.

A propósito, o FN evoca o poeta brasileiro – nem sempre lembrado como deveria – que sempre pugnou por uma Europa unida e sem fronteiras, e toma a liberdade de reproduzir um dos seus poemas.

EUROPA

Europa, sonho futuro!

Europa, manhã por vir,

fronteiras sem cães de guarda,

nações com seu riso franco

abertas de par em par!

 

Europa sem misérias arrastando seus andrajos,

virás um dia? virá o dia

em que renasças purificada?

Serás um dia o lar comum dos que nasceram

no teu solo devastado?

Saberás renascer, Fénix, das cinzas

em que arda enfim, falsa grandeza,

a glória que teus povos se sonharam

— cada um para si te querendo toda?

 

Europa, sonho futuro,

se algum dia há-se-ser!

Europa que não soubeste

ouvir do fundo dos tempos

a voz na treva clamando

que tua grandeza não era

só do espírito seres pródiga

se do pão eras avara!

Tua grandeza a fizeram

os que nunca perguntaram

a raça por quem serviam.

Tua glória a ganharam

mãos que livres modelaram

teu corpo livre de algemas

num sonho sempre a alcançar!

 

Europa, ó mundo a criar!

 

Europa, ó sonho por vir

enquanto à terra não desçam

as vozes que já moldaram

tua figura ideal,

Europa, sonho incriado,

até ao dia em que desça

teu espírito sobre as águas!

 

Europa sem misérias arrastando seus andrajos,

virás um dia? virá o dia

em que renasças purificada?

Serás um dia o lar comum dos que nasceram

no teu solo devastado?

Saberás renascer, Fénix, das cinzas

do teu corpo dividido?

 

Europa, tu virás só quando entre as nações

o ódio não tiver a última palavra,

ao ódio não guiar a mão avara,

à mão não der alento o cavo som de enterro

— e do rebanho morto, enfim, à luz do dia,

o homem que sonhaste, Europa, seja vida!

Adolfo Casais Monteiro