As ruas por onde passa a cidade

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Rua Brigadeiro Couceiro, nas imediações do Paço Episcopal.

O Funchal foi crescendo e moldando a sua fisionomia ao longo dos séculos aos ritmos e necessidades dos seus habitantes. Hoje, quase 600 anos após o povoamento da ilha, a cidade tenta preservar a matriz do passado, ao mesmo tempo que se abre aos desafios do presente. Um equilíbrio difícil, uma parceria nem sempre consensual.

No mês em que se comemoram os 507 anos da elevação a cidade, deixamos aqui um olhar sobre algumas ruas e locais que, melhor ou pior, foram resistindo à passada do progresso. Umas recuperaram a vivacidade e a pujança de outros tempos, como a Rua de Santa Maria. Outras fecharam-se no esquecimento dos prédios devolutos, dos habitantes idosos e de companhias menos respeitáveis. De uma forma ou de outra, são repositórios do pulsar da vida citadina que importa manter presente.

E, enquanto esperam quem por elas se interesse, mantêm nas fachadas ou na toponímia os testemunhos de um Funchal nascido ao ritmo das marés, moldado pelas ribeiras e batizado a pedras de basalto, açúcar, vinho e buganvílias.

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Largo da Igrejinha, com as Ruas da Carreira e das Pretas. Início do séc. XX.

Com o início do século XVI, em 1508, o Funchal é elevado à categoria de cidade e, poucos anos depois, em 1514, é elevado a sede de bispado. A cidade desenvolve-se então por uma longa rua ribeirinha, que ao longo do seu percurso e história, vai conhecendo vários nomes, como Santa Maria, dos Caixeiros, Alfândega e dos Mercadores. Daqui nascem perpendiculares, bordeando as três ribeiras que atravessam o largo vale e se dirigem para as serras. A primeira e principal foi a Rua Direita, nascendo na foz das Ribeiras de João Gomes e de Santa Luzia. Paralelamente à rua principal ribeirinha, ao longo do calhau, surge a Rua da Praia, e entre as Ribeiras de Santa Luzia e de São João, a Rua da Carreira, “pelos cavalos que costumam correr nela”, como refere o cronista Gaspar Frutuoso.

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Ao longo dos tempos, as ruas da cidade foram assumindo a sua identidade, graças a acontecimentos ou individualidades que marcaram o percurso da ilha. Há factos curiosos relacionados com o nome e a história de algumas das artérias mais conhecidas. Deixamos aqui alguns exemplos.

RUA DA MOURARIA – Na freguesia de São Pedro, liga a Rua da Carreira ao Largo de São Pedro, no início da Calçada de Santa Clara e na desembocadura da Rua do Surdo. Através do estudo de Ernesto Gonçalves publicado no volume X do Arquivo Histórico da Madeira, editado no Funchal em 1958 , ficamos a saber que a Rua da Mouraria não teve a sua origem numa mouraria, isto é, um bairro de mouros. Deve a sua designação a João Rodrigues Cabral, de alcunha o Moradia, que morreu, no Funchal, em 1556, na sua residência, situada na esquina da Calçada das Freiras (Calçada de Santa Clara) com a rua denominada com o seu próprio nome. De Rua João Rodrigues Cabral Moradia, que ali habitava, passou a Rua do Moradia, já assim designada em 1570. Por corrupção, surge, nos finais da década de quarenta do século XIX, a designação de Rua da Mouraria. A rua era a mesma – a do Moradia – mas agora chamavam-na da Mouraria.

RAMPA E PONTE DO CIDRÃO – Devem o seu nome ao povoador João Cidrão. Após a implantação da República, passam a designar-se João Sabino da Costa, a quem os comerciantes republicanos da Madeira quiseram homenagear como mártir, por ter sido morto com uma bala perdida, em 1908, durante o assassinato do rei D. Carlos I e do príncipe D. Luís I. Esquecido o mártir, voltou a usar-se o nome do povoador sendo ainda hoje Rampa do Cidrão.

RUA DO QUEBRA COSTAS – Inicialmente designada Rua Nova da Bela Vista e posteriormente Rua da Bela Vista, esta artéria só foi aberta por volta de 1804, após o aluvião que destruiu grande parte da cidade. A sua designação deve-se, não propriamente ao potencial de quebrar costas sobretudo em dias de chuva quando o piso fica escorregadio, mas antes à sua configuração muito íngreme na parte final.

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Rua de Serpa Pinto , finais do séc. XIX.

RUA DA CARREIRA – É uma das mais antigas da cidade. Ao longo da história teve nomes como Carreira dos Cavalos ou Carreira Velha dos Cavalos. Deve o seu nome à existência noutros tempos de corridas de cavalos. Atualmente, vai desde o Largo da Igrejinha até a ponte de São João.Trata-se de uma das mais antigas ruas da cidade do Funchal, local de residência de muitas personalidades ilustres, como o caso de João Gonçalves Zarco, o Tenente Coronel Artur Alberto Sarmento, historiador, geólogo e mineralogista, assim como o Dr. Ângelo Augusto da Silva.
Em tempos, estendia-se até ao Largo do Colégio, atual Praça do Município. Estas poucas centenas de metros deram lugar a uma nova artéria chamada Rua Câmara Pestana.
Ao longo dos anos, a Rua da Carreira não teve este nome ao longo de toda a sua extensão. Vários trechos tiveram outras designações:
— Igrejinha, desde o princípio da artéria até ao largo com o mesmo nome;
— Pintos ou Bartolomeu dos Pintos, entre o Largo da Igrejinha e a Rua de São Francisco;
— Carreira, entre a Rua de São Francisco e próximo da capela de São Paulo;
— São Paulo, desde o pequeno largo que fica em frente à capelo, até à ponte de São João;
— Manuel da Grã. Desconhece-se a que parte da rua se referia. Sabe-se apenas que foi uma designação utilizada no século XVI.

RUA DAS PRETAS – Começa no Largo da Igrejinha e termina no largo em frente à Igreja de São Pedro. Até ao início do século XX existiam na Rua das Pretas os estábulos para os animais que conduziam ascorças e os corções, o meio de transporte de mercadorias pesadas mais utilizado na época. No entanto, as autoridades sanitárias decidiram que os animais teriam de ser mudados para um local mais afastado do centro , pois dava uma má imagem do Funchal, pelo ruído, a falta de higiene. A origem do nome desta rua pensa-se dever-se à existência de diversas casas de famílias ricas que tinham ao seu serviço muitas empregadas negras.

RUA DOS FERREIROS – Esta artéria foi segmentada em várias designações. Na orientação sul norte, detinha várias referências, pelas quais era conhecida entre os habitantes:da Ribeira das Casas, das Privadas, dos Esteireiros, do Perú, do Estudo, do Pinheiro, e, talvez mais remotamente, por Rua de Pedro Bettencourt. Estende-se desde a rua 5 de Outubro até à ponte do Torreão. De acordo com o Elucidário Madeirense, o nome de Ferreiros só se aplicava noutro tempo à parte da rua que ia do princípio dela até o chamado largo do Chafariz ou de S. Sebastião. Em época relativamente recente, ainda se chamava do Peru a parte da rua compreendida entre os largos do Chafariz e Colégio, do Estudo, à que ficava entre o Colégio e a rua dos Netos ao Torreão. O nome de Ferreiros porviria certamente do facto de ali existirem algumas oficinas desta arte manual.

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RUA DOS ARANHAS – O seu nome deve-se à família Aranha que no século XVI passou pela Madeira. Esta rua ia desde a rua da Carreira até à das Fontes. Um edifício importante ali localizado foi o da firma Cory que fornecia carvão para a navegação. Há alguns anos construiu-se o centro comercial Infante e Marina Shopping no local onde restavam as instalações da firma e parte do arruamento. O local ficaria mudado por completo.

Muitas outras haveria para referir, cada qual com o seu traço indelével na evolução da cidade. São vários os estudos sobre os recantos mais emblemáticos do Funchal disponíveis para consulta. No entanto, a história não se fecha num capítulo.

(Fonte: Biblioteca Pública Regional da Madeira)

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