Convenção versus contratualização na Saúde

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Convenção ou contrato nos serviços de saúde é assunto que está na ordem do dia na RAM.

Tenho ouvido diversas opiniões, mais tendenciosas, mais comprometidas, mais ou menos informadas, poucas ou nenhumas fundamentadas.

Comecemos pelo princípio. Quando o Dr. Nélio Mendonça concebeu o Serviço Regional de Saúde a Madeira apresentava um enorme défice na prestação de cuidados médicos à população. Pretendendo, num curto intervalo de tempo, tornar acessíveis, à população em geral, tão imprescindíveis cuidados, não havendo capacidade de resposta da medicina oficial, o Dr. Nélio Mendonça, inteligentemente, gizou um programa que, durante largos anos, permitiu recuperar o atraso da Saúde na Madeira, a contento de todos.

Não havendo, à época, Centros de Saúde em número suficiente para a prestação dos cuidados, o então Secretário Regional dos Assuntos Sociais criou um sistema mediado pela Ordem do Médicos (única entidade, na época, que congregava os médicos) que permitiu, a todos os médicos que o desejassem, aderirem à proposta Convenção (contrato estabelecido entre o governo e os médicos com a mediação da OM) e, assim, poderem prestar cuidados a quem deles necessitasse. Desse modo, de uma maneira expedita, conseguiu aumentar exponencialmente o número de prestadores – qualquer consultório de médico convencionado poderia funcionar quase como se de um pequeno centro de saúde se tratasse – e facilitar, enormemente, o acesso da população aos cuidados e a livre escolha do prestador pelos utentes.

Lembremo-nos que, na altura, nem se falava em empresas prestadoras de cuidados de saúde (de médicos ou de não médicos) como é hoje a nossa realidade e as que existiam (algumas poucas clínicas) funcionavam mais como grupos informais de médicos do que como empresas.

Fez todo o sentido e foi uma decisão eficaz e inteligente reconhecida por todos como tal.

Não vou deter-me na análise do que aconteceu entre a criação do Serviço Regional de Saúde, com a publicação do Decreto Legislativo Regional 21/91/M, de 7 de Agosto (Estatuto do Sistema Regional de Saúde da Região Autónoma da Madeira), e a actualidade, nem nas perversões que, entretanto, sofreu o Sistema. Refiro, somente, que no artigo 20º do referido Decreto Legislativo Regional (“Contratos e Convenções”) se pode ler:

“1 – A Secretaria Regional dos Assuntos Sociais poderá celebrar contratos ou convenções com os órgãos representativos dos médicos e demais profissionais de saúde;

2 – Podem ser, também, celebrados contratos ou convenções com estabelecimentos particulares de saúde que sejam considerados idóneos para prestar os cuidados de saúde que constam das condições estabelecidas.”

Nem preciso evocar legislação mais recente (2006) que trata de contratualização de serviços de saúde a empresas.

Não é, portanto, a Convenção de que tanta gente fala e de que pouca gente sabe bem do que se trata que garante o benefício que é devido, constitucionalmente, aos utentes dos Serviços de Saúde Nacional e Regionais.

A evolução dos tempos retirou importância à chamada “Convenção com a Ordem dos Médicos” que deixou de ter uma ligação com a realidade. Desde o início dos anos 2000 que a Convenção tem estado permanentemente em ”fase de renegociação” não tendo havido, até à actualidade, nem por parte da OM (a quem não interessa perder o protagonismo), nem por parte dos anteriores governos, coragem política para reconhecer, publicamente, que a Convenção é, actualmente, uma “causa sem efeitos”.

O Governo actual contemplou no seu programa a intensão de alterar esse estado de coisas mantendo a Convenção para as consultas (para as quais a saúde oficial continua a não ter, manifestamente, capacidade de resposta)  e pretende (a um ver, bem) contratualizar serviços de exames a privados, com competência reconhecida, conforme as necessidades, obedecendo às leis do mercado.

Tal facto não coloca em causa o direito dos utentes a serem apoiados no pagamento dos serviços, ao contrário do que, erradamente, já ouvi afirmar.

Fiquem as pessoas descansadas que a comparticipação do Estado nas despesas de saúde é um direito Constitucional, não é uma benesse de qualquer Convenção nem depende do modelo de relacionamento entre o Estado e os prestadores de serviços de saúde.