O saco das prendas

Icon-Gaudencio-Figueira

Na Europa a criação de entidades supranacionais remonta ao sec XIX, mas não me ocuparei delas. Falarei da União Europeia colocando a sua génese nos anos 40 quando eclodia a 2ª Guerra. Duas questões prévias: a fronteira entre os fenómenos políticos e económicos é muito ténue; a guerra é dirimir pelas armas aquilo que as negociações políticas não resolveram.

Pressionado pelas circunstâncias, em 1940, Churchill propôs cidadania, defesa e finanças comuns com a França. Não conseguiu. Imaginemos a devastação na Europa saída da guerra, quando seis anos depois, o mesmo Churchill, em Zurique, afirmava ser necessário criar uns Estados Unidos da Europa pois só assim se recuperaria a esperança de milhões de pessoas. Os USA, predominantes, com Truman à cabeça, tudo fazem para recuperar a economia. Dirá Truman em 1947: “ A Grécia não é um País rico. A falta de recursos naturais sempre forçou o povo grego a trabalhar duramente para fazer face às despesas. Desde 1940, este País trabalhador e amante da Paz sofreu uma invasão, quatro anos de ocupação inimiga cruel e de uma amarga luta interna” Tivesse sido a guerra uma rosa, a Portugal caberia a flor e à Grécia os espinhos. Lá, além de morrerem às mãos alemães, mataram-se uns aos outros

O Tratado de Londres, em 1949, mostra uma Inglaterra “Europeia”. Esta valiosa contribuição Britânica consubstanciou-se no Conselho da Europa, base do respeito pelos Direitos Humanos. Diferentes foram os resultados da união militar. O problema ultrapassa-se com a criação da União da Europa Ocidental, incluindo os 6 Países CECA e a Grã-Bretanha. Em 1962, no seio dos Países da CECA surgiu, em seu complemento, a PAC (Politica Agrícola Comum). Habilmente, construíra-se um projecto que, satisfazendo os interesses geo-políticos do fim da guerra, trazia a esperança e o bem-estar que faltara em 1940.

Este “saco das prendas”, laboriosamente edificado e onde iriamos meter a mão a partir de 1986, criou expectativas muito altas nalguns Países. O bem-estar dos 6 era almejado pela Europa, excepção feita à Inglaterra, e, pode dizer-se, resto Mundo. Ao entrarem, os Gregos, particularmente castigados entre 40/45, como já vimos, ainda lhes parecia ouvir o angelical discurso de 1947. A vida colectiva, porém, não pára, as realidades geo-estratégicas mudaram. A economia, como sempre subordinada à política, ressente-se sobretudo de decisões adiadas que, algumas delas remontando ao fim da 2ª guerra, entravam a tão desejada e plena integração política. O Estado Federal, de que há muito se fala, não foi conseguido, mas a moeda única criou-se. É aquilo a que chamam pequenos passos que levarão ao topo. As consequências económicas e sociais disso estão à vista. A fuga de capitais de Países como Portugal e a Grécia são coisa normal. Todos recordamos o Monte Branco, detonador do caso BES. Mudaram os interesses geo-estratégicos, a verdade de 1945 esfumou-se. A escassez de capitais nestes dois Países causa sérios problemas aos seus cidadãos. As dificuldades sociais agravam-se dia a dia, mesmo que disfarçadas pela intensa propaganda.

A análise feita para Europa tem aplicação global. Vivemos numa pandemia social, que abarca todos os Humanos. A barbárie instala-se e matam-se pessoas apenas porque sim, quando, em simultâneo, outros morrem de fome para que o Estado satisfaça compromissos financeiros para os quais, a “vítima”, só muito indirectamente se pronunciara. O Ser Humano, com antepassados, legalmente, feitos escravos, tem expectativas neste séc. XXI, bem mais altas. Quer dirigentes políticos, com capacidade de os colocar imunes à barbárie que, parece estar em gestação. Juntemos os interesses dos Europeus plasmados na versão Britânica do Tratado de Londres – Direitos Humanos – e o desenvolvimento económico. Releia-se, urgentemente, a declaração Schuman que chama a atenção para a necessidade de não esquecer os laços com África. Sopram ventos muito assustadores na Europa e no Mundo. Esperemos que a geo-estratégia estabeleça um quadro de estabilidade que permita trazer esperança ao Homem. Morre-se já, como se morreu nas escaramuças premonitórias da famigerada 2ª guerra, apaguemos o incêndio enquanto é tempo para não virmos, mais tarde, reconstruir o bem-estar sobre vários milhões de mortes e muita destruição.