Como é que os médicos mandam a mãe para o Céu?

Ana-Santos

Ana Santos

No outro dia, numa conversa corajosa em jeito de consulta, a Maria perguntava “como é que os médicos mandam a mãe para o Céu?”. E continuava… “eu separo a dor, mando-a para um fio do cabelo… mas a dor nunca vai, é impossível!”.

O dia da mãe é todos os dias, sim. E é dia de todos os filhos. De todas as mães. Não há filhos sem mães, há sim mães que ficam mais longe, por diferentes razões. Na obra “Óscar e a senhora cor-de-rosa”, o menino descobria o medo que os adultos têm de falar da morte: “se disseres morrer ninguém ouve. Podes estar certo que se faz um silêncio de morte e depois se põe a falar de outra coisa. Já fiz o teste com toda a gente”. Quantos de nós passarão no teste?

Os adultos vão fantasiando, na necessidade de contornar os assuntos difíceis… “as crianças não reparam”, “não sabem bem o que aconteceu”. Os adultos, quando eram estas crianças gostariam de ter gritado “olhem que sei!”, mas hoje continuam a disfarçar, pensando que não vale a pena lembrar o que magoa, que é para seguir em frente.

No dia da mãe lembram-se dias antigos e imagina-se um futuro por viver. As mães parecem não ter fim, mas mudam de forma como a lua: podem ser reinventadas no abraço do pai, encontradas na ternura dos avós, nos conselhos da tia. Apesar disso, “a mãe” existe de forma única e, por mais importante que sejam os papéis que todas as outras pessoas representem na vida destes filhos, a mãe não se dilui nisso. É bom que não se dilua.

Os adultos vão alimentando medos e mitos e, por mais que sintam fazer o seu melhor, faltam três verdades essenciais: pensar não é necessariamente sentir; falar não é necessariamente narrar factos. E sim, o dia da mãe será para sempre diferente do que foi, do que deveria ser ou do que se vê ser na vida dos outros.

Ora ouçam lá a Maria (ainda aquela menina…) que parece falar como os adultos: “se não quiser ficar triste, ponho no coração e não me lembro”. Será que ensinamos a fugir ao que se sente? Precisamos aprender a sentir, a falar de emoções, a valorizar a raiva, o medo e o amor. Quando juntamos isto às histórias podemos, sim, promover a mudança no luto.

É muito importante que o adulto consiga ajudar a conversar sobre como era a mãe, sem medo ou vergonha, sobre o que faltou dizer e fazer, como seria bom que ela aqui estivesse, como nos sentiríamos se isso fosse assim, como temos saudades dela! Por vezes há quem pense “já ter contado a história” mas nunca parou para a sentir, lembrar, imaginar, a cada passo da história. A recordação de momentos felizes, ou eventualmente de outros mais dolorosos, traz a certeza de que aquela relação existia (mais ou menos perfeita) e era única. Esquecer não é a resposta. O regresso a sítios especiais, o almoço em família sabendo bem que dia é, o pensar na mãe, falar dela e como ela fazia a comida, a fotografia nova que se escolhe para a moldura da sala, a carta que se vai reler… todas estas são formas de contar a história de forma mais verdadeira.

No dia da mãe, a relação será sempre entre os filhos e as mães. Não nos enganemos: é a elas que querem telefonar e entregar as flores. Os adultos podem e devem permitir algumas escolhas, como quando os filhos desejam entregar a flor à avó, mas poderão ainda acrescentar a lembrança da mãe.

Imagino o dia em que, entre as publicidades de relógios e perfumes para a mãe, existe uma publicidade diferente: a criança que leva ao cemitério as flores que tão cuidadosamente escolheu, o adulto que conta histórias aos filhos sobre a avó velhinha, o filho que casa no dia da mãe para a lembrar em festa, o avô que chama os netos para lembrar o mimo que era dela.

No luto, o caminho é a manutenção da relação, seja ela simbólica (quando se visita um sítio que era especial) ou concreta (quando se usa o colar da mãe). A ausência da mãe encontra um lugar dentro dos filhos, do que guardam e contam sobre ela. Isso não assusta os filhos. É como se fosse agora a vez deles a fazerem viver, mesmo que de outra forma.

*Psicóloga Clínica – Consulta do Luto – PIN