“O mais difícil é viver sem sonhos”

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O Instituto do Emprego nem sempre corresponde às expetativas de quem desespera por um emprego.

Helena Mota (texto e fotos)

As empresas ou organismos sem fins lucrativos que queiram candidatar-se a programas de criação de postos de trabalho têm agora o processo mais facilitado. Menos papel, menos burocracia. Apesar da agilização prevista na lei, o Instituto de Emprego registava no mês passado 22.534 desempregados, a maioria entre os 45 e os 54 anos. Um drama que, em 2014, atingia 15 por cento da população da Região.

No aniversário da “Revolução”, há quem viva no limbo, com a vida e os sonhos suspensos em sucessivos estágios e programas. No fundo, a pagar para estar ocupado.

Carlos G. acaba outro dia de trabalho. À primeira vista, é mais um funcionário público igual aos demais. O que poucos sabem é que este biólogo, de 39 anos, vive uma situação “sui generis”, incompreensível para muitos. Quando há cerca de seis meses o programa de ocupação temporária para desempregados chegou ao fim, insistiu para continuar no serviço sem auferir qualquer remuneração, de forma voluntária. Desde essa altura que continua a apresentar-se diariamente no posto de trabalho e a cumprir a jornada completa, com igual afinco e empenho, mesmo sabendo que as oportunidades de um dia vincular são escassas. Carlos está ciente de que poderá estar a fazer a aposta errada, mas diz preferir esta solução a ficar em casa e correr o risco de uma depressão. Habituou-se, nos últimos sete anos, a conviver com o desapontamento e a incerteza, desde que, após a conclusão do curso, tem intercalado anos de inatividade com estágios e programas de promoção de emprego mal pagos. Apesar de parcos, os 400 e poucos euros de ordenado mínimo que recebeu do Instituto de Emprego durante nove meses fazem-lhe falta para as despesas de deslocação e alimentação.

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Solteiro e a viver com os pais, também eles em situação de desemprego, Carlos é o exemplo de uma nação suspensa na esperança de uma vida onde figuram casa, família, conforto, estabilidade e um emprego com perspetivas. Como muitos da sua geração, ele representa a face de um Portugal novamente adiado e esquecido das promessas daquele 25 de abril de 1974. Um país do “faz de conta”, onde seis em cada dez postos de trabalho criados são estágios.

 370 euros líquidos mensais

 Como muitos jovens, Carlos começou a trabalhar antes de completar os estudos superiores. Durante os anos de curso, conciliou com muito esforço o trabalho de administrativo e os turnos de urgência de um centro de saúde com os estudos e exames. Fazia-o na convicção de que estava a investir num futuro profissional risonho na área que havia escolhido, a biologia marinha. Dois anos depois de concluir a licenciatura, em 2008, os efeitos colaterais da crise americana do subprime ainda não haviam chegado à Região. Na altura, os pais gozavam de uma situação profissional estável e Carlos, filho único, também não tinha os encargos de uma família. A situação permitiu-lhe então seguir os seus sonhos. Deixou o anterior emprego, onde estava a contrato e sem perspetivas de progredir, e candidatou-se meses depois a um estágio profissional no Museu de História Natural, o qual “foi bastante enriquecedor” em termos de experiência pessoal, técnica e profissional. O primeiro revés aconteceria um ano depois com o fim do estágio, remunerado com recibos verdes e altamente tributado. Apesar das boas referências dos seus superiores, não conseguiria a vaga necessária para se manter no emprego. Impossibilitado de concorrer a outro estágio profissional, uma vez que a lei exige um ano de intervalo, Carlos atualiza a sua candidatura no Instituto de Emprego da Madeira (IEM). No início de 2014, recebe então luz verde para trabalhar num departamento do Governo Regional ao abrigo de um programa de ocupação para desempregados. Durante nove meses trabalhou a troco do ordenado mínimo da época, cerca de 370 euros líquidos mensais. Uma vez mais, a esperança de conseguir resolver a situação profissional. Uma outra vez, os planos gorados devido à situação de aperto financeiro da Região. Nada de novas entradas na Função Pública. “Entra um funcionário a cada três saídas”, disseram-lhe. Carlos teve de lidar, novamente, com o desânimo e com a preocupação acrescida de que tanto o pai como a mãe, ele da construção civil e ela do comércio, atravessam o mesmo drama do desemprego. “Somos três na mesma situação lá em casa”, refere o biólogo. “O problema é que o subsídio da minha mãe está a terminar.”

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A realidade da Madeira continua mais negativa do que no resto do país.

 Viver na casa dos pais

 Gerir a frustração é o mais difícil, confessa, recordando ser necessário “ter uma mente forte” para encarar a desilusão que se repete a cada fechar de porta. “Num instante, o desespero instala-se e depois é o que se vê, com as pessoas doentes, deprimidas ou com os suicídios”. Não entende o rumo que o país tem tomado, com as políticas de empobrecimento e com os obstáculos às reformas e pensões antecipadas, situações que têm provocado retrocesso na economia e na criação de novos empregos. “Tudo isto acarreta altos custos sociais e económicos”, sintetiza, frisando que Portugal não conseguirá ser competitivo se os mais jovens e os mais qualificados continuarem a sair. Por enquanto, a emigração não se perspetiva nos seus horizontes. Será sempre uma opção extrema no seu caso, até porque a idade já lhe deu hábitos e rotinas e sente que os pais precisam de si por perto. A presença da namorada, com quem mantem uma relação há dez anos, tem pesado igualmente na decisão. Bióloga de formação, conseguiu recentemente assegurar emprego, o que faz Carlos G. querer ficar por cá. “Tal como eu, ela passou muitos anos entre estágios, recibos verdes e voluntariado. Finalmente, conseguiu entrar para a carreira que sempre quis, na área das análises clínicas.”

À beira dos 40 anos, tantos quase a “Revolução dos cravos”, confessa o embaraço que tanto ele como a namorada sentem ao viverem na casa dos pais. “É constrangedor ter de pedir-lhes um troquinho”, sussurra, sintetizando depois um sentimento comum a tantos outros da sua geração. “O mais difícil é viver sem sonhos, sem planos, a curto prazo”.

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Os estágios profissionais continuam a mascarar a realidade do desemprego.

Demora nos programas do IEM

Como forma de “libertar a mente da tristeza”, e porque detesta o epíteto de “coitadinho”, Carlos ofereceu-se para continuar a trabalhar em estágio voluntário. Os serviços concordaram e aguarda aprovação da tutela. O biólogo agradece a sensibilidade com que lidaram com o seu caso, reconhecendo que os seus superiores tudo fizeram para garantir o posto de trabalho. Enquanto lhe for possível, vai continuar a trabalhar “pro bono”, mesmo que isso implique não poder aceder a qualquer pequeno complemento ou subsídio da Segurança Social devido pelos nove meses de estágio. E explica: “Estou nesta situação por iniciativa própria, sempre foram muito francos comigo e nunca me prometeram nada. Mas, sim, sentimos por vezes a frustração. Dizem que um homem não chora, mas dentro de quatro paredes, sempre correm algumas lágrimas”.

Com a conclusão do programa, em novembro último, teve de atualizar a sua situação no Instituto de Emprego. Até ao momento, não obteve qualquer proposta para nova experiência laboral.

“O que chega, de três em três meses, é um documento a solicitar a confirmação da situação de desemprego”, lamenta Carlos G., que revela sentir da parte do IEM algum “abandono” relativamente aos licenciados. Atribui a situação à eventualidade de a maioria das empresas não estar interessada em mão de obra mais qualificada com receio de implicar maior investimento.

Carlos aponta ainda as “demoras” verificadas na aplicação de programas de apoio a desempregados. “Levam muito tempo a contactar as pessoas.”

Refira-se que a tutela publicou, a 1 de março último, a portaria nº77/2015, com efeitos reportados a 1 de fevereiro, a qual vem agilizar o processo de candidatura das empresas e organismos sem fins lucrativos aos programas PROJOVEM, Formação/Emprego e aos Estágios Profissionais. As novas regras estabelecem como requisito apenas uma declaração “em como não se encontram em situação de incumprimento perante organismo público ou fundos comunitários”. A anterior legislação exigia igual declaração aos “empresários/sócios, administradores ou membros dos órgãos de direção de Sociedade Anónimas ou Fundações”, situação que veio a revelar-se complexa e morosa, atrasando os processos de criação de postos de trabalho.

 Aumento nas ofertas e colocações

 Embora sem dados concretos que o relacionem com a recente alteração legal, a verdade é que, em março, o Instituto de Emprego recebeu 282 ofertas de emprego, mais 71 por cento relativamente ao mês anterior. No mês passado, foram ainda colocadas pelo IEM 158 pessoas, um aumento de 52 por cento relativamente a fevereiro, sobretudo nas áreas do Alojamento, Restauração e Similares e Serviços Pessoais.

 A situação apresentou também melhorias significativas ao nível das autocolocações. Segundo os dados oficiais, 554 inscritos conseguiram em março resolver a sua situação profissional, representando um acréscimo da ordem dos 55 por cento em relação a igual período do ano passado.

 Desemprego baixa

 Os últimos dados relativos ao desemprego na Região reportam-se a março deste ano. De um modo geral, os números começam a revelar uma inversão, perspetivando-se melhorias no panorama regional, em linha com o que acontece no resto do país. O IEM revela que, no mês passado, estavam registadas 22.534 pessoas, menos 3,9 por cento que em igual período do ano passado e menos 1,5 por cento do que no mês anterior.

Depois de 2013, o pior ano na Madeira, com uma taxa de desemprego na ordem dos 18 por cento, a Região viu o fenómeno decrescer em três pontos percentuais em 2014. De qualquer forma, os números regionais continuam a superar as médias nacional (14%) e europeia (10%). O Eurostat revela ainda que Portugal apresenta uma taxa de desemprego entre jovens da ordem dos 35 por cento, uma das quatro mais elevadas da OCDE, num universo de 719 mil desempregados.

O fenómeno não escolhe género, embora os homens sejam os mais afetados, representando 55 por cento dos desempregados na Madeira. Por sector, surgem a limpeza e a construção civil no topo da lista. É no concelho do Funchal onde se regista o maior número de inscritos (44 por cento do total), sendo que a falta de emprego atinge particularmente as faixa etária entre os 45 e os 54 anos.

De acordo com os dados, a maioria dos inscritos no IEM possui habilitações ao nível do 1º Ciclo (26,5%) e do Secundário (22%). Os licenciados não atingem os dez por cento.

 Soluções possíveis no IEM

 O Instituto do Emprego disponibiliza atualmente vários programas de apoio e promoção ao emprego, formação e estágios profissionais. Destaque para o PROJOVEM, destinado a jovens entre os 18 e os 24 anos que, não estando a estudar, procuram o primeiro ou novo emprego. Existe ainda o Programa de Estímulo ao Empreendedorismo de Desempregados destinado a pessoas em situação de desemprego involuntário ou de longa duração e que nunca tenham exercido atividade profissional por conta de outrém e/ou por conta própria.

Há quem tenha nascido depois de abril e ainda não possa sonhar.
Há quem tenha nascido depois de abril e ainda não possa sonhar.

Para quem pensa emigrar, a inscrição na rede EURES ajudará no processo de informação, aconselhamento, recrutamento e colocação (adaptação entre oferta e procura no mercado de trabalho).

Realizam-se às sextas-feiras, das 14.30 às 17.30, nas instalações do IEM, à Rua do Hospital Velho, sessões de informação abertas ao público em geral, de modo a fornecer informações, desde a candidatura à sua conclusão, recorrendo a exemplos e casos práticos. Estas sessões são direcionadas a públicos específicos de acordo com o objetivo principal dos programas apresentados.