Bernardete Vieira aponta programas e trabalho no terreno: “A pobreza não está escondida. É acompanhada e tratada”

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Helena Mota

 419 euros. Esta é a fronteira que, aos olhos da Segurança Social, delimita o universo da pobreza. Milhares de pessoas, apesar dos cortes nos rendimentos e das dificuldades em cumprir com os seus encargos, estão acima deste patamar e acabam excluídos de alguns apoios importantes como o Rendimento Social de Inserção (RSI).

 “Todas as famílias que tenham rendimentos inferiores ao indexante dos apoios sociais, fixado em 419 euros per capita, está em situação de pobreza”. É assim que Bernardete Vieira, a Presidente da Segurança Social na Madeira, explica o critério usado para aferir a situação de carência e de exclusão social.

A responsável recorda, porém, que alterações na lei têm levado à redução dos apoios disponíveis. “Ou seja, não significa que as pessoas tenham melhorado. Acontece é que por via da alteração de critérios, muitas pessoas ficaram de fora”, esclarece. “Não posso dizer que os 3 por cento da população que recebem o RSI representam os números da pobreza na Madeira. Constituem sim aquele grupo mais vulnerável.”

Até dezembro último, eram 1.791 as famílias abrangidas pelo RSI, menos 166 do quem no ano anterior. A prestação mais alta fixa-se nos 176 euros para uma única pessoa que não tenha rendimentos. No caso de uma família, pais e dois filhos, por exemplo, o titular receberá esse montante, a que acresce metade desse valor relativamente ao segundo elemento, cabendo aos restantes dois elementos 30 por cento cada, o que perfaz um total de 372 euros. “É o mínimo dos mínimos. Ninguém consegue viver com isto”, sintetiza.

 Solução está na economia

A responsável recorda que todas as prestações sofreram cortes devido à situação de austeridade. “A Segurança Social só existe quando há crescimento, produção e trabalho. Estamos a atravessar uma fase que é precisamente o contrário e o sistema ressente-se. Houve que reduzir para conseguir sustentar este declínio”, esclarece. “Só vamos conseguir recuperar com produção e emprego. A solução está na economia”, sustenta Bernardete Vieira, para quem os fundos comunitários poderão ser uma alternativa a curto prazo, mas caberá sempre às empresas gerarem emprego e riqueza.

Com o agravamento da crise, a partir de 2007, aumentaram os pedidos de apoio à Segurança Social. Na Madeira, o subsídio de desemprego fez segurar muita mão-de-obra ativa na Região. A partir do momento em que os apoios cessaram, a emigração passou a ser a alternativa. “Não tivemos assim um aumento de novos subsidiodependentes, até porque as pessoas perceberam que os apoios da Segurança Social não resolvem a vida de quem tem casa e filhos”, explica a presidente do ISS. “Mantivemos aquele nicho tradicional de 3 por cento da população, de pobreza geracional, geralmente residente em bairros sociais, que nunca conseguiu sair da situação de exclusão social, nem mesmo quando os contextos foram mais favoráveis.”

“Fartura” em comida e roupas

Para além do RSI, a Segurança Social tem no terreno diversos apoios para acudir à nova vaga de necessitados criada pelos últimos anos de crise e austeridade. Os serviços tentam fazer esticar as ajudas deitando a mão a programas europeus e aproveitando a onda de solidariedade que se instalou. “Fizemos um grande esforço no sentido de gerir os poucos recursos para que isto não descambasse. Tivemos sempre o cuidado para que ninguém ficasse a passar fome”, afirma a responsável pelo ISS, que reconhece aqui o contributo das instituições de Solidariedade Social. “Neste âmbito da ajuda alimentar e de roupa, até posso dizer que vivemos uma época de fartura, devido a uma onda de solidariedade, de campanhas, de donativos”, conclui Bernardete Vieira. “Na Madeira, não temos miséria. As chamadas famílias disfuncionais estão protegidas nesse aspeto. Agora, quero crer que não vamos voltar à lógica do assistencialismo. Temos de continuar a investir nas pessoas para que consigam sair do clico de pobreza e sobretudo ajudar aqueles que, por motivos vários, se veem agora em situação de carência económica. Não queremos que percam a sua dignidade.”

A responsável garante que tem havido um grande investimento no social, no combate à pobreza, quer através de programas como da intervenção de equipas no terreno. “A pobreza não é escondida; está ser tratada e acompanhada, sobretudo junto das franjas mais vulneráveis.”

Subsídios ajudam famílias

Bernardete Vieira reconhece que os apoios disponíveis respondem a emergências e não resolvem a vida das pessoas. Há casos tão graves que ultrapassam a capacidade de resposta da Segurança Social. São pessoas que até há pouco viviam desafogadamente, com os rendimentos do seu trabalho. O desemprego, as falências e os cortes nos salários e pensões atraiçoaram muitas destas famílias da chamada classe média. Muitas delas vivem com grandes dificuldades, uma vez que não conseguem fazer face aos encargos que herdaram da anterior situação. A casa, o carro e os bens de consumo a que estavam habituados tornaram-se um pesadelo, continuando a pesar na fatura mensal, acabando muitas vezes em insolvência e penhoras. “Estas pessoas são, neste momento, a nossa grande preocupação.”

Para apoiar alguns destes casos, existe o Subsídio de Cooperação Familiar que abrange, neste momento, cerca de 1.700 famílias. Estas prestações são renovadas a cada seis meses e têm caráter pontual. “Destinam-se àquelas famílias que, não estando no limiar dos 419 euros, apresentam dificuldades económicas significativas por via de uma redução do seu rendimento. Aquela classe média que perdeu poder de compra, quer por desemprego, quer por situação de divórcio, quer por redução de salários. Em média ronda os 200 euros mensais, tendo por base as despesas da família.”

De forma a poder acudir a situações diversas, a Segurança Social tem ainda a funcionar o Fundo Económico de Apoio a Carenciados (FEAC), subsidiado por fundos comunitários e que consiste na atribuição de cabazes alimentares, além do programa Emergência Alimentar. Trata-se de fundo financiado em 2% do IVA e disponibilizado pelo Governo nacional. A Região é contemplada com 1,3 milhões de euros ao abrigo deste programa, abrangendo atualmente 1.202 famílias. Funciona com um sistema de vales que podem ser descontados em supermercados ou cantinas.

 Desemprego leva 56,5 milhões

Relativamente ao subsídio de desemprego, tanto o número de beneficiários como os montantes pagos têm vindo a baixar (ver infográfico). Sobretudo, porque o período de vigência terminou e continuam sem trabalho. Em contrapartida, aumentaram os valores relativos aos Subsídios Social de Desemprego e de Desemprego Subsequente, prestações de recurso que são ativadas assim que o primeiro termina, por um período máximo de um ano. No global, estas prestações abrangiam, em dezembro último, cerca de 18 mil beneficiários, representando um montante de 56,5 milhões de euros.

Quanto à pobreza extrema, geralmente relacionada com os sem-abrigo, a Segurança Social responde com a intervenção da Sociedade Protetora dos Pobres. Neste momento, estão sinalizados 31 indivíduos, todos no Funchal, e outros 17 casos que dormem em centros de acolhimento. Bernardete Vieira acredita que a diversidade de respostas postas em curso nos últimos anos contribuiu para conter o fenómeno dos sem-abrigo, mantendo potenciais casos nos seus agregados. “Tentamos que ninguém vá dormir para a rua, apoiando até com alojamento temporário. Agora, quando envolve situações mentais e de dependências é complicado.”