“Corremos o risco de pagar taxas cada vez que respirarmos…” – Bastonário dos TOC alerta

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António Domingues de Azevedo é um rosto conhecido dos empresários madeirenses pelas várias deslocações que faz à Madeira para participar em eventos sobre fiscalidade. Reeleito Bastonário dos TOC, para um mandato de 2014-2017, considera que há impostos a sobrecarregarem cada vez mais os cidadãos. Preconiza a descida do IVA, pelo menos, na restauração, a valores que remontam a 2011, e pede cautela quando a Madeira defende uma política fiscal diferenciada do país. Façam-se primeiro os estudos, recomenda.

Funchal Noticias: Quais as razões pelas quais o IVA deve descer no nosso país?

Domingues Azevedo – Portugal esteve, desde 2011 e até há bem pouco tempo, sobre o domínio e protetorado da troika. Viveu-se um momento excecional, tendo-se, a esse pretexto, elevado a carga fiscal sobre as empresas e cidadãos a níveis de quase confisco. O IVA é um imposto de retorno imediato, que garante entrada rápida de dinheiro nos cofres do Estado. Por isso é que sucessivos governos lhe lançam mão na hora de angariar mais receitas.

Entendo que deve ser feita uma reanálise aos diversos escalões do IVA e ver onde se pode desagravar as taxas. Tendo em consideração que Portugal é um país turístico, entendo também que o IVA sobre a restauração deve voltar ao patamar onde estava em 2011. Isso daria um novo alento económico a muitas empresas que têm graves dificuldades em se manter ativas. Taxar a 23% o setor foi e é penalizador, ainda para mais sem se ter feito um estudo prévio. Partir do princípio que cada contribuinte é um potencial ladrão não é correto. Criou-se esse anátema e é urgente destruí-lo.

FN –  O Orçamento de Estado para 2015 a nível do IRS é mais vantajoso para os contribuintes?

DA – É ligeiramente mais favorável, especialmente a nível das famílias com filhos, que aufiram de rendimentos mais altos. Os solteiros, por exemplo, não terão vantagens. No entanto, e conhecendo-se as tabelas de retenção na fonte, constato que os contribuintes estão a pagar, mensalmente, mais IRS do que deveriam, financiando de forma forçada o Estado, até ao reembolso do imposto, no próximo ano. As tabelas não refletem a realidade. A taxa de retenção deveria estar o mais próximo possível da taxa real efetiva da tributação do imposto. Está a ser majorada de uma forma bastante significativa, com relevo para as classes de rendimentos onde se incluem o maior número de contribuintes.

A designada reforma do IRS já se reflete no OE 2015 e, depois de ser alterada na Assembleia da República, é positiva, por exemplo, na consideração do rendimento dos empresários em nome individual em 50%, nas situações de “participation exception”.

O desagravamento fiscal que vai existir é pelo efeito das alterações das deduções à coleta.

Outro factor que não está correto é o quociente familiar. A introdução de um mecanismo percentual vai prejudicar as famílias de recursos menores.

Não podemos esquecer que a maior parte das famílias portuguesas está esgotada financeiramente por via do brutal aumento de impostos que se tem verificado nos últimos anos. Enquanto não tivermos uma política fiscal sólida e verdadeiramente equitativa, em que a pessoa humana e a sua família sejam a cédula principal, continuaremos a ter esta fiscalidade para a política, onde o Estado desenvolve uma política musculada em relação ao processo fiscal, com uma violência extrema e que está também patente no IRS.

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FN Concorda que a Madeira deva ter uma política fiscal diferenciada? A que níveis?

DA – É preciso termos cautela na abordagem desta temática. Não me violenta que seja dada autonomia fiscal às regiões autónomas. No entanto tem de ser efetuado um estudo aprofundado, onde se estabeleça os limites ou situações extremas em que o Estado possa intervir, sempre que se provoquem distorções significativas entre os residentes das regiões autónomas e do continente.

FN – Como encara a mudança política que está em curso na Madeira? O que recomenda ao novo governo a sair das urnas de 29 de março?

DA – A Madeira está a iniciar um novo ciclo com a saída do dr. Alberto João Jardim que, honra lhe seja feita, mudou a imagem da Madeira e conferiu-lhe acessibilidades que melhoraram muito a vida da população. No entanto, e nos últimos anos deixou as contas regionais derraparem a um limite que provocou o estabelecimento de um Plano Económico e Financeiro duro para os contribuintes madeirenses. Ao fim de quase 40 anos, vai embora e o sistema democrático determinará, através da vontade dos eleitores nas urnas, o rumo futuro da Região.

O governo que sairá das eleições terá de gerir a coisa pública com uma redobrada preocupação financeira e orçamental. O país no seu todo ainda está a braços com uma carga fiscal elevadíssima, não se prevendo a breve prazo uma diminuição significativa dessa carga.

Sobre a renegociação ou não do PAEF, aí entrará a componente política e a sensibilidade do próximo governo central em relação ao dossiê “Madeira”.

FN – Quais são hoje os grandes problemas que se colocam aos Técnicos oficiais de Contas?

FN – Os Técnicos Oficiais de Contas não são entes à parte da sociedade e por isso também se deparam com problemas relacionados com o fecho de empresas, apesar do desemprego na classe não atingir os números registados noutras profissões.

O TOC é um profissional em permanente formação, devido à mutação legislativa constante. Muitas vezes perde tempo demais a cumprir com as obrigações declarativas mas está cada vez mais a se destacar como conselheiro privilegiado dos empresários.

O TOC é muitas vezes, no tecido económico português dominado por PME o único técnico superior. Por isso cabe-lhe um papel determinante no sucesso do negócio.

Problemas existirão sempre. Mas creio que o papel do TOC na sociedade portuguesa é reconhecido e nada comparado com um passado recente, em que os profissionais eram vistos apenas como preenchedores de papéis para o Fisco. Essa imagem está ultrapassada, mas cabe a cada profissional saber utilizar da melhor forma possível as ferramentas que tem ao seu dispor.

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FN – Considera que o IMI é um imposto injusto?

DA – O IMI, antiga contribuição autárquica, é uma fonte de receitas para os municípios, que zelam pelos espaços públicos e por outras valências da vida dos respetivos concelhos.

O problema com que nos deparamos atualmente tem a ver com os montantes cobrados por via das atualizações das avaliações dos prédios. Existem casos em que o IMI é muito agravado, especialmente em prédios antigos.

O governo criou uma cláusula de salvaguarda para garantir que o aumento do imposto não disparasse para além dos 75 euros/ano. No entanto essa cláusula vai passar só a abranger o escalão 1 do IRS, que engloba os contribuintes que auferem até 7 mil euros anuais. E reconheçamos que, naquele escalão, poucos têm hipótese de ter casa própria… Os restantes, que é a grande parte, vão ter de pagar mais IMI.

Para uma sociedade ainda a viver o ciclo da austeridade é violento mais um aumento contributivo.

Assistimos a uma completa falta de sensibilidade da parte de quem manda, do governo, que não consegue ver que as pessoas estão exauridas financeiramente.

FN – Como se combate a evasão fiscal? Será com programas tipo “factura da sorte”?

DA – Pagar impostos é um dever de cidadania. Durante muito tempo a fuga ao fisco era tida, em Portugal, como um “desporto nacional”. Este governo, há que reconhecê-lo, fez um grande esforço no combate à evasão e está a recolher os frutos, de acordo com as últimas estatísticas.

De facto. atualmente a maior parte dos cidadãos exige factura dos serviços que lhes são prestados e as empresas já não resistem tanto ao ato de emitir factura.

Relativamente à “factura da sorte”, nunca concordei com o que está na sua génese: vulgarizar ao nível da rifa, de jogo da sorte ou azar, um ato nobre do cumprimento de um dever de cidadania. Mas reconheço que pode ter incentivado ao enraizamento da ideia de que a uma transação corresponde sempre uma factura.
Espero que num futuro muito próximo os números da fraude e da evasão diminuam ainda mais.
Para vivermos numa sociedade organizada não podemos usar estratagemas que vão apenas onerar os cidadãos que cumprem.

FN – Concorda com a denominada fiscalidade verde?

DA – Concordo com uma maior consciencialização da sociedade para os problemas ambientais. Contudo, a designada fiscalidade verde não foi mais que um instrumento para agravar a carga fiscal, já elevada, dos cidadãos.

Quem vai pagar a fiscalidade verde é o consumidor final. Não tenhamos dúvidas.

O Estado tem de ter uma maior preocupação social em vez de carregar a população com impostos a torto e a direito. Senão corremos o risco de, um dia destes, pagarmos uma taxa pelo simples facto de respirarmos.