Guida Vieira olha com mágoa sindicalismo que não muda

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Guida Vieira é um nome de referência na sociedade madeirense. Afirmou-se a pulso como a voz das minorias no sindicalismo, primeiro, e depois, na política partidária e parlamentar. Os anos foram passando e a mulher que enfrentava o ex-secretário regional com a tutela dos sindicatos, Brazão de Castro, para defender as bordadeiras, retirou-se do palco principal para dar lugar aos mais jovens.

Mas não se demitiu da luta, apesar das mágoas que o tempo se vai encarregando de deixar na família. Ao Funchal Notícias, assume que se encontra “a recuperar da grande perda” do não menos histórico político madeirense Paulo Martins, “aquele que também foi “o grande companheiro muito querido durante 36 anos.”  Sempre marcada por uma propensão inata para o dinamismo, vai-se envolvendo, aos poucos, em coisas que gosta de fazer, e não são poucas, como, aliás, é seu timbre: ao nível associativo, está empenhada em lançar a reorganização da Associação de Mulheres UMAR. Ao nível político, exerce as funções de deputada Municipal da Coligação do Funchal, bem como a de conselheira para a igualdade na CMF. Ao nível da militância partidária, é neste momento mandatária da lista de candidatos do Bloco de Esquerda às próximas eleições regionais. Mas não só de política vive Guida Vieira: “Tenho outros  projetos que a seu tempo serão conhecidos, até porque a vida, tem que ser vivida, enquanto estamos cá”, revela com a mesma convicção de sempre.

Funchal Notícias: Como comenta a proliferação de candidaturas às próximas eleições regionais?

Guida Vieira: Com muita preocupação porque a dispersão de votos vai ser muito grande o que não ajuda nada o objetivo de tirar a maioria absoluta ao PSD que governou a Região nos últimos 40 anos. No entanto, compreendo o grande descontentamento que reina na sociedade e a democracia é mesmo isto e nesse sentido os dados estão lançados, espero que os/as eleitores/as saibam separar o trigo do joio.

F.N. – O PSD-M entrou num ciclo de mudança, desde logo do seu líder. Quais são as suas expetativas relativamente a Miguel Albuquerque?

G.V. – Sinceramente, não acredito que o ciclo mude muita coisa. Até agora ouvi MA e seus apoiantes defenderem algumas propostas, sobretudo ao nível da democracia parlamentar, que a oposição andou a defender durante os últimos 40 anos. Plágio absoluto e que infelizmente alguma comunicação social tenta passar como propostas novas. Propostas concretas ao nível económico, resolução do desemprego, fim da austeridade que nos retirou os poucos direitos autonómicos NADA! Vazio absoluto. Não podemos esquecer que MA foi um dos protagonistas da governação PSD na Câmara do Funchal onde deixou um buraco de quase 100 milhões de euros. As minhas expetativas são baixas.

F.N. – Falemos da sua passagem pela Assembleia Legislativa da Madeira. Tem saudades do Parlamento e de ser deputada?

G.V. – Fui deputada em 2000/2004. Gostei muito. Foram quatro anos importantes da minha vida. Aprendi bastante, fiz amizades sinceras e acho que também contribui para dignificar o Parlamento levando à discussão propostas novas em várias áreas particularmente dos/as trabalhadores/as e das Mulheres. Às vezes fico com saudades desse tempo, confesso. Mas nesta fase da minha vida acho que é importante dar espaço para que pessoas mais novas se interessem pela política e pelo trabalho parlamentar. Felizmente que no meu partido existem pessoas com essas capacidades. Entretanto vou ajudando no que posso e tudo fazendo para que os/as madeirenses entendam que o Parlamento é o espaço mais importante da democracia, por isso, a eleição de pessoas que queiram ser Deputados/as a sério é fundamental para engrandecer a política como verdadeiro serviço público.

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F.N. – Como classifica o trabalho parlamentar que se produz neste momento?

G.V. – Infelizmente o Parlamento tem evoluído de forma muito negativa e pouco apetecível para quem quer fazer política social a sério. A queda do Parlamento, enquanto primeiro órgão da autonomia é grave. Para isso muito contribuiu o PSD que retirou quase todos os direitos à oposição e deixou ser o governo a controlar o Parlamento quando devia ser ao contrário. Também contribuíram para esta situação alguns partidos que entenderam que o Parlamento era o lugar indicado para fazerem palhaçadas, não apresentando propostas legislativas que defendessem os interesses dos/as madeirenses. Quero acreditar que esta situação pode mudar e espero que o meu partido possa dar o seu contributo para que o Parlamento volte a ser um local onde os/as eleitores/as se revejam. Assim como tem estado, vai ficando à beira de um abismo, perigoso para a democracia, porque sem Parlamento eleito só as ditaduras.

F.N. – Qual deveria ser o perfil do novo Presidente da Assembleia Legislativa?

G.V. – Em primeiro lugar ser um/a deputado/a que entenda a democracia na sua plenitude e diversidade, respeitando os direitos do governo e da oposição, dando-lhes a mesma importância e impondo uma autoridade democrática, não sendo tendencioso como tem acontecido até agora. Seja qual for o governo que resulte das eleições a figura primeira do Parlamento deve merecer o máximo de consensualidade dos/as restantes parlamentares, para que o Parlamento volte a ter a dignidade que merece, e a democracia saia reforçada.

F.N. – O seu partido, o BE, ficou de fora da coligação Mudança para estas eleições legislativas regionais de 29 de março. Foi uma opção acertada ou precipitada?

G.V. – Desde que foi contactado pelo líder do PS que o Bloco fez o que estava ao seu alcance para fazer parte da coligação, apresentando ideias e propostas concretas. Defendíamos que a experiência da coligação no Funchal deveria ser o exemplo de como os partidos se deveriam apresentar ao eleitorado. Primeiro, em pé de igualdade, seguindo a lógica do maior para o mais pequeno e depois em proporção da representatividade existente neste momento. Apresentámos também propostas políticas e democráticas tendo em conta todos os cenários que poderiam acontecer após as eleições. Os partidos integrantes da coligação rejeitaram a maioria das nossas propostas, porque já tinham acertado, entre eles, que o mais importante era assegurarem primeiro, tudo o que já tinham e nem quiseram discutir ideias para a política. Apenas o PS o fez. Foi feito um último esforço onde o BE fez ainda uma tentativa mas todos se mostraram indiferentes e alguns até usaram o termo, que o BE era perfeitamente dispensável. Perante isto, e porque temos dignidade e não andamos na política por ver ou outros andar, decidimos em Assembleia de Aderentes, onde eu participei e votei a favor, que o BE se apresentasse com a sua lista própria. A política tem que ser defendida com gente que sabe distinguir entre os interesses egoístas de grupo e os interesses das pessoas a quem nos dirigimos. Tudo o resto que andam a dizer, é para enganar, alguns, que talvez gostem de ser enganados. Na política tem de existir seriedade nas pessoas e nas propostas pois mudar “as moscas mas a porcaria ser a mesma”, não obrigada!

F.N. – A Guida Vieira conta com uma vastíssima experiência e curriculum também na área sindical. Como vê o atual desempenho do sindicalismo na Madeira?

G.V. – Tirando algumas honrosas exceções, vejo com muita preocupação e até alguma mágoa. Os tempos estão difíceis. Não é, nem nunca foi fácil ser sindicalista. É preciso muita entrega e sobretudo acreditar no que estamos a fazer. Foi para mim um ideal de vida durante 26 anos, a tempo inteiro. O que mais me preocupa é que os tempos mudaram tanto e por vezes vejo que a atuação sindical não muda. Acredito que melhores tempos virão e que novos/as protagonistas surgirão.

  1. N. – Quais são, neste momento, os grandes problemas da Madeira?

G.V. – O desemprego, a pobreza a ele ligado e a separação das famílias que estão novamente a emigrar, um serviço de saúde que não consegue responder às necessidades e uma divida que compromete as próximas gerações. Poderia estar a falar de um rol maior mas estas são as questões centrais que têm que ser alteradas com outros políticos e outras políticas. A Madeira seguiu um modelo de desenvolvimento que falhou e faliu redondamente. Tudo o que era produtivo foi considerado inútil e apostaram apenas nas obras públicas e nos serviços, muitos deles falidos. O próximo governo tem que inverter esta situação renegociando a dívida, rejeitando a austeridade como modelo de governação, apostando na criação de mais emprego público em serviços de proximidade, de e para as pessoas, apoiando e criando incentivos fiscais para todas as empresas que criem postos de trabalho com caráter duradouro, sobretudo em setores produtivos que diminuem a nossa dependência do exterior. As pessoas têm que ser colocadas em primeiro lugar para que não fique tudo na mesma.