As seis mortes presumidas do 20 de Fevereiro e as suas consequências jurídicas

20Fev20_fev00743 mortos e seis desaparecidos. Foi este o balanço da aluvião de 20 de Fevereiro de 2010, faz hoje 5 anos.

Mas, se em relação aos 43 mortos, os familiares tiveram a dita de velar os seus corpos, já em relação aos seis desaparecidos os seus familiares não tiveram igual ‘sorte’.

E quem foram os seis desparecidos do 20 de Fevereiro?

-Alexandre Faria Clemente, 55 anos, morava na Bica Pau, Caminho Velho da Camacha, São Gonçalo. Dizem que desapareceu das imediações do mercado mas também há quem afirme que terá sito arrastado pela torrente do ribeiro do Lazareto.

-Diana Raquel Abreu Pereira, 20 anos, desapareceu da Vereda do Trapiche, Laranjal, Santo António (Funchal).

-Gregório Reis Fernandes Canhas, 32 anos, Sítio da Capela, Curral das Freiras, ex-dirigente do clube local e da Junta de Freguesia (Câmara de Lobos).

-Manuel Araújo Nunes, 66 anos, reformado, ex-funcionário da Sé do Funchal (antigo sacristão da Sé), morador na Levada do Ribeiro. Desapareceu das imediações da sua casa no Laranjal, Santo António (Funchal).

-Soraia Patrícia Gomes Pereira, 9 meses, desapareceu junto com a sua mãe da Vereda do Trapiche, Laranjal, Santo António (Funchal).

-Susana Micaela Sousa Pinto, 16 anos, desapareceu da Vereda do Trapiche, Laranjal, Santo António (Funchal).

Ora, além dos dramas de natureza pessoal, social e psicológico (um penoso e perturbante dilema humano), a situação de desaparecimento/ausência de uma pessoa tem também reflexos jurídicos.

No ordenamento jurídico português não existe nenhuma norma ou diploma autónomo que trate especificamente das consequências jurídicas decorrentes de uma catástrofe natural.

O que existem são normas derramadas pelo Código Civil (CC) e de Processo Civil (CPC) aplicáveis a catástrofes naturais ou a outras situações de ausência prolongada como naufrágios, ou queda de aviões no meio do oceano.

O artigo 68.º do CC português, no seu n.º 3, diz que “tem-se por falecida a pessoa cujo cadáver não foi encontrado ou reconhecido, quando o desaparecimento se tiver dado em circunstâncias que não permitam duvidar da morte dela”.

No caso dos seis desaparecidos do 20 de Fevereiro cujos corpos nunca apareceram entra-se, então, na chamada “morte presumida” cuja declaração pode ser requerida ao Tribunal decorridos dez anos sobre as últimas notícias do visado.

Este prazo diminui para cinco anos se, entretanto, o ausente tiver completado 80 anos se fosse vivo.

No caso dos menores de idade, só se declara a morte presumida passados cinco anos da data em que este atingiria a maioridade, ou seja, na data em que este atingiria os 23 anos de idade.

Estes prazos foram, no entanto, encurtados no 20 de Fevereiro porque o Ministério Público (MP) assim o promoveu.

Curiosas são as consequências jurídicas da declaração de morte presumida. Com a morte presumida não se dissolve o casamento, contudo, o cônjuge sobrevivo poderá casar, considerando-se o casamento anterior dissolvido por divórcio.

É também necessária a declaração de morte presumida para se proceder à abertura da sucessão, ou seja, para se proceder à partilha dos bens do ‘de cujus’.

E, se outros não forem estabelecidos, os prazos são estes: Decorridos dois anos sem se saber do ausente, se este não tiver deixado representante legal nem procurador, ou cinco anos, no caso contrário, com vista à definição da curadoria definitiva.

Na remota hipótese de o ausente regressar, ser-lhe-á entregue o património que fora distribuído no estado em que se encontrar.

É muito difícil obter uma decisão judicial que declare o óbito do ausente, fundado na presunção de morte sem o decurso dos períodos temporais atrás referidos, salvo se forem apresentadas provas convincentes que conduzam à certeza da morte do ausente.

Ora, ainda que haja testemunhas que atestem que uma determinada pessoa foi arrastada pela ribeira ou ficou soterrada, tal não significa que se possa afirmar, com segurança, que essa pessoa não tenha sobrevivido. A presunção judicial exige mais. E só não é tão exigente, designadamente, na explosão de um avião em pleno voo, pois a possibilidade de sobrevivência é remota, praticamente nula.

Só com a declaração judicial de morte presumida é possível aos beneficiários, por exemplo, de seguros de vida reclamarem junto das seguradoras o pagamento dos respectivos prémios, daí a sua importância.

Relativamente aos menores que, na sequência de catástrofes naturais ou de qualquer acidente, fiquem sem os seus progenitores, aplicar-se-á aos mesmos o regime tutelar.

Para o efeito, qualquer interessado ou o MP, devem instaurar a competente acção, a fim de ser nomeado, cautelarmente um curador provisório e a título definitivo, um tutor, até à maioridade.