Rui Carita em escavação arqueológica nos Emirados Árabes

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O historiador e investigador Rui Carita está envolvido num projecto arqueológico do maior interesse, relativo à presença militar portuguesa nas costas da Arábia, desde os inícios do século XVI. Trata-se de escavações arqueológicas coordenadas pela direcção de cultura e informação do governo de Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos, e empreendidas por elementos do Instituto de Arqueologia e Paleo Ciências da Universidade Nova de Lisboa. Uma primeira campanha de prospecção deverá iniciar-se em 2015, provavelmente por alturas da Páscoa, espera Rui Carita.

O  nosso interlocutor explica que tudo começou com a descoberta recente “de parte de um baluarte” da antiga fortaleza portuguesa de Corfacão (hoje Khor Fakhan) entretanto sumariamente escavado”. O que se pensa ser o antigo baluarte tem uma face de aproximadamente 11 metros de comprimento, e paredes constituídas por blocos de pedra minimamente aparelhados e ligados por argamassa de cal. “Com outro tipo de aparelho, insere-se na parte posterior desta estrutura uma pequena torre redonda, de 2,5 metros de diâmetro, de aparelho de pedra mais miúda e não aparelhada, ligada por simples argamassa de terra. A pouco mais de 20 metros de distância, as escavações recuperaram uma estrutura circular, de 6,5 metros de diâmetro, para a qual se pode colocar a hipótese de corresponder à torre redonda de tipologia local, que os desenhos do séc. XVII registam no centro do recinto fortificado, como protecção ao poço ou cisterna da antiga fortaleza. Parece ser o único caso desta área, salvo as grandes fortificações de Muscat, a antiga Mascate, a fortaleza de Caçapo, bastante reconstruída (…) ou os complexos de Ormuz e do Bharein, que parece ter subsistido e a merecer um urgente trabalho arqueológico conjunto”.

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A povoação de Corfacão já seria tributária dos portuguesesdesde 1515, quando se conquistou Ormuz, de que dependia. A fortaleza foi, de acordo com Rui Carita, mandada erigir por Gaspar Pereira Leite, em 1620, por determinação de Ruy Freire de Andrade, “general do mar de Ormuz e costa da Pérsia e Arábia”, numa altura em que se procurava cimentar a presença portuguesa no acesso ao Golfo Pérsico. “De acordo com o desenho do álbum de Manuel Godinho de Erédia, de 1620, mas de outro autor, em princípio, depois repetido nos seguintes álbuns de fortalezas, teria uma forma triangular rematada por baluartes modernos, com os maiores muros de 26 metros. O interior da fortaleza teria uma torre artilhada e um poço, com o que parece ser a residência da guarda e do comandante, para poente, sendo guarnecida por um capitão e 24 soldados lascarins [militares mercenários da Abíssinia e Oriente]…), explica Rui Carita.

Este historiador não deixa de enfatizar o trabalho de outro investigador da Madeira, João Lizardo, neste tema. O envolvimento do próprio Carita terá começado em 1999, com a edição em fac-simile, pelo Ministério da Defesa Nacional, do álbum ‘Lyvro das Plataformas das Fortalezas da Índia’, do cartógrafo luso-malaio Manuel Godinho de Herédia, álbum que havia incorporado já em 1982 a exposição sobre arquitectura militar na Madeira na Fundação Calouste Gulbenkian (mostra com textos de Rui Carita e Álvaro Vieira Simões). Entretanto, João Lizardo deslocou-se a Sharjah, um dos sete emirados que constituem os Emirados Árabes Unidos, viagem investigativa que culminaria na finalização da dissertação de mestrado em Arqueologia na Universidade Nova de Lisboa.

“Da troca de elementos então efectuada viemos a ser convidados para efectuar uma palestra em Sharjah, por ocasião do “Festival Sharjah Heritage Days, Heart Sharjah”, em Maio de 2012, sobre as fortalezas portuguesas da Arábia (…); em Março de 2014 fomos de novo convidados para um novo evento em Sharjah, que, dadas as condições meteorológicas adversas, foi adiado”, diz Carita. Este contratempo conduziu a novo convite, desta vez para visitar várias estações arqueológicas do emirado.

A relevância da descoberta de Corfacão, explica-nos este historiador, tem a ver com a confirmação de dados que só era conhecidos por documentação, embora alvo de tese de mestrado de João Lizardo, anterior às evidências arqueológicas.

carita arabia1Rui Carita continua a dedicar-se com afinco à história militar portuguesa, a qual “continua a fazer-se com as dificuldades inerentes à interpretação política que lhe é anexa, mas que, graças a comités nacionais e internacionais, se tem colmatado”. “Todos os anos”, acrescenta, decorrem colóquios e reuniões sobre História Militar a cargo da Comissão Nacional Portuguesa; sobre fortificação militar em Almeida, com revista própria e várias edições anuais; parceria inter-regional com municípios espanhóis, etc.”.

O historiador ligado à Uma e à Universidade Nova tem-se multifacetado ainda por outras actividades, como colóquios em Évora, deslocações ao Porto para início dos trabalhos de montagem do Museu da Irmandade dos Clérigos, e assim por diante. Sobre as pesquisas em Sharjah, conhecido como “emirado da cultura” pelas actividades e festivais que tem desenvolvido, entende que o trabalho poderá equacionar de imediato pistas de investigação muito interessantes e fazer cair parcialmente, por exemplo, o mito de que os portugueses construíam sempre obras de raiz, sem reutilização de estruturas preexistentes e tecnologias locais na “imensa malha de construções de pedra e cal” que continua  a subsistir ao longo das costas da Arábia e nas principais ilhas dessa área, embora muitas abandonadas há mais de 300 anos e permanecendo como mito na memória local”.

A presença portuguesa no litoral arábico encontra-se “muito pouco estudada e ultrapassa, de certa forma, o que se tem escrito”, conclui.

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